Arte contemporânea

A arte nada compactada de Marcelo Silveira

Na exposição Compacto, em cartaz da galeria Amparo 60, o artista usa obras compactadas para dialogar com dicotomias do mundo contemporâneo

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 17/11/2016 às 6:23
Foto: Ricardo B. Labastier/ JC Imagem
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Assim que entramos na galeria Amparo 60, no Pina, o olhar é convidado a percorrer a mesa sui generis disposta pelo artista plástico Marcelo Silveira ao centro do ambiente onde, a partir de hoje, ele inaugura a exposição Compacto. Batizada de Mesa-gabinete de obras raras, o móvel foi trazido da casa do próprio artista. Sobre ela, estão objetos que sugerem livros pouco ortodoxos, gráfica ou simbolicamente intrigantes, sobre a superfície de madeira elegantemente lixada. A composição fala muito não apenas a respeito da poética do artista como sobre as possibilidades gerais da arte contemporânea: no mundo superestetizado e saturado de imagens e informações, a arte não apenas materializa, mas se apropria de objetos para encerrar discursos nem sempre decodificados.


"Ando pensando em mobiliário. A mesa é um lugar em que se divide, onde um olha para o outro, mas é também um lugar de tensões. Essa exposição está entre o que se espera e a surpresa”, discorre Silveira. “A mesa significa esse modus operandi de vida em comum, é um lugar onde se ergue a tradição - e toda tradição é tensionada. A mesa é também o palco da intriga”, continua a historiadora Joana D`Arc Lima, pela primeira vez curadora de uma exposição do pernambucano celebrado em bienais como a de Valência, na Espanha, ou a de São Paulo (2010) como um dos principais nomes da arte brasileira por sua capacidade de potencializar narrativas contundentes em objetos - apropriados ou por ele confeccionados.


“Marcelo faz parte de uma geração de artistas do Recife que, nos anos 80, começou a promover uma mistura de linguagens e a criar alguns desvios em relação à tradição da pintora predominante”, diz a curadora. “Sua arte tem muito esse gesto de religar esses tempos, de retirar do esquecimento, dos pequenos e grandes silenciamentos, dos apagamentos, alguns elementos para ressignficá-los”, comenta ela, sobre como, metaforicamente, a arte de Marcelo Silveira pode ser uma gramática para que entendamos como imperativos como as noções de identidade, pertencimento e mesmo a história oficial se dão permanentemente no jogo de poder entre aqueles com capacidade de operar entre o que pode ser lembrado e o que deve ser esquecido. Simbolicamente, num dos cantos da tal mesa, uma pequena pilha de antigas caixas de madeira usadas para guardar joias deixam de ser suporte para se transformar em objetos-fim. “Na ausência da joia, a caixa é a própria joia. Como o tal bolinho de Proust, a raridade pode abrir a caixa da memória para novos entendimentos do mundo”, discorre a curadora.


Conjunto de cerca de 30 obras bi e tridimensionais (objetos, “livros de artista”, múltiplos, móveis, vídeo e lambe-lambe) "Compacto" traz essas peças, algumas inéditas, outras ressignificadas a partir de exposições anteriores, para serem dispostas em diálogos múltiplos: entre si, entre as dicotomias de ausência e presença do mundo contemporâneo e também entre alguns de seus pares artistas. Reforçando a conversa e o desejo manifesto (e, num tempo de fronteiras acirradas, político) de estar junto, Marcelo Silveira acompanha a poética de suas obras com a de alguns de seus pares como os também pernambucanos Isabela Stampanoni e José Paulo.

Foto: Ricardo B. Labastier/ JC Imagem
- Foto: Ricardo B. Labastier/ JC Imagem
Foto: Ricardo B. Labastier/ JC Imagem
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Foto: Ricardo B. Labastier/ JC Imagem
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Ao lado de uma série de pequenos quadros de Isabela em que figuras humanas iconizadas estão pintadas ao lado de frases imperativas em diversas línguas (como numa alusão a deslocamentos, origens e pertencimentos), Silveira, por exemplo, dispôs uma sequência da série de múltiplos “Capelo”. De uma ironia inteligentemente sutil, as fotografias dispostas em sequência linear questionam aquela regra tácita que o sociólogo francês Pierre Bourdieu classificou como expectativa de performance social. Capelo, os mais novos não saberão, é o nome dado ao chapéu rococó tradicionalmente usado nos rituais de formatura de bacharéis - sobretudo os de Direito. Nas imagens de Silveira, esse chapéu aparece em situações diferentes no colo de um personagem: ou seja, confirma a tradição, mas indica o desvio. Na obra de Silveira, como diria Lévi-Strauss, outro clássico do pensamento social ocidental, um objeto não é apenas função, mas a memória de seu tempo.


Compacto. Exposição de Marcelo Silveira, Galeria Amparo 60 (Av. Eng. Domingos Ferreira, 92, Boa Viagem. F.: 3033-6060). Abertura, hoje, para convidados.

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