Vulnerabilidade

Maria do Carmo Nino abraça a fragilidade em Da Nossa Essência de Vidro

Primeira exposição individual da artista desde 2011 abre na Galeria Arte Plural

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 22/08/2017 às 15:36
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No mito de Dibutades, narrado pelo naturalista e historiador italiano Plínio, o Velho, uma jovem, filha do oleiro, é confrontada com a iminência da partida do rapaz por quem é apaixonada. Para aplacar sua solidão e a saudade, ela desenha na parede os contornos da sombra do amado, molde que posteriormente é levado ao fogo junto a outros vasos de barro. Essa alegoria instiga reflexões diversas, entre elas a da pintura como um registro da ausência, das faltas. Em sua nova exposição, Da Nossa Essência de Vidro, com curadoria de Marisa Flórido, que é aberta hoje, às 19h, na Galeria Arte Plural, Maria do Carmo Nino tensiona essas ideias, permeando seu trabalho de elipses e investigando as possibilidades contidas na falta e na vulnerabilidade dos corpos.

Desde sua última exposição individual, Sustentação, em 2011, na Torre Malakoff, Maria do Carmo Nino tem produzido constantemente, em um ritmo próprio, de experimentação. À medida em que foi observando os trabalhos, percebeu algumas inquietações que atravessavam todos eles e que, na verdade, já a acompanhavam há mais tempo.

“Acredito que o artista sempre trabalha com algumas obsessões. Recentemente, me dei conta de que algumas questões presentes nas obras que apresento agora já estavam na minha tese de doutorado, apresentada em 1995. Sempre me interessou estudar a poética da imagem, observar o que pode ser criado a partir dos ‘acidentes’ na produção da obra. A fotografia, por natureza, é muito lisa, isomorfa, então me instigava criar uma certa tatilidade maior através de alguns recursos, como a retirada da película das fotografias”, explica.

Outra particularidade do trabalho da artista plástica, professora e pesquisadora é seu interesse por ressignificar. Em uma das séries da exposição, nomeada a partir do mito de Dibutades, ela intervém em fotografias que produziu a partir de uma performance na qual a bailarina tentava contornar a própria sombra. Em outra, Pequenas Narrativas, mais uma vez parte de registros de uma obra de arte para sugerir outras histórias, criar possibilidades a partir do já existente.

“[A crítica e teórica] Rosalind Krauss aponta que a arte atual é muito fotográfica, porém sem usar a fotografia como linguagem. Pegue-se como exemplo a monotipia, técnica de impressão que cria gravuras únicas. Para mim, sempre foi natural visualizar esse espaço em comum entre a fotografia, as experiências tecnológicas, e as artes visuais”, pontua.

VULNERÁVEL

Outro teórico que influenciou os trabalhos recentes de Maria do Carmo Nino foi Jean-Claude Carrière, mais especificamente o livro Fragilidade. O título da exposição, tirado de Medida por Medida, de Shakespeare, dialoga com essa tese de que a humanidade busca subterfúgios para esconder suas vulnerabilidades, quando, na verdade, é essencial abraçá-las.

“A arte também é um campo de conhecimento que luta contra a morte, sendo uma espécie de resistência a ela. Nós, enquanto sociedade, lidamos mal com a ideia de finitude. De alguma forma, busquei tatear essas questões na série Casulos. São fotografias nas quais encomendei uma malha branca e convidei duas amigas a performarem, como que buscando entender o que é estar dentro desta outra ‘pele’”, explica.

Nessas imagens, a artista promoveu intervenções no fundo – retirando as árvores dos originais e substituindo-as pelo preto – além de inverter a posição de algumas delas a fim de exacerbar a percepção de que o que se vê são espécies de casulos.
A epiderme trabalhada por Maria do Carmo se expressa também em sentidos metafóricos, a exemplo das obras da série

Dispersos, pinturas sobre vidro em molduras de diapositivos de 120mm e 35mm, nas quais a artista utiliza tintas esmaltadas derramadas na água, que em contato com o suporte, como papel ou vidro, se aderem como uma monotipia, uma revelação fotográfica, como sugere a curadora Marisa Flórido.

“São técnicas que despertam uma sensação de aventura para o artista na hora de pintar, pois o resultado carrega sempre um elemento inesperado, de surpresa. Os acidentes, os vazios, me interessam e meus trabalhos carregam minhas experiências de uma vida dedicada à arte, seja escrevendo, produzindo ou pensando sobre ela”, reforça.

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