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Edson Menezes, o pintor que assina a obra de Natal do JC

Também conhecido como Popó, ele confirma a tradição do figurativismo em Pernambuco

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 25/12/2017 às 5:33
Felipe Robeiro
Também conhecido como Popó, ele confirma a tradição do figurativismo em Pernambuco - FOTO: Felipe Robeiro
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Ainda estudante, a hoje advogada Clécia Soares passava, caminhando, pela frente da casa de Edson Menezes, mais conhecido como Popó. Estava grávida quando seu vizinho no Poço da Panela lhe convidou para entrar. “Na hora, eu tive o impulso de pintá-la. Não sei nem explicar muito bem, mas ela tinha uma imagem linda”, diz o artista pernambucano para quem, durante mais de um mês de sua gravidez, a vizinha teve que posar. Com critérios. “Tem que ser sempre na mesmoa hora, para conseguir a mesma condição de luz”, diz o pintor. “Cor e luz, afinal, são o que dão forma”, diz ele que, com retratos como o de sua vizinha e amiga, confirma pertencer a mais sólida e longeva escola da pintura pernambucana. Responsável pela obra de temática natalina que ilustra a capa especial do Jornal do Commercio deste ano, Menezes amplia o figurativismo que, no Estado, teve origem ainda nas primeiras gerações do Modernismo e, marca afirmativa, não sucumbiu ao abstracionismo contrutivista que, a partir dos anos 1970, por pouco não decretou a morte da figura na pintura brasileira.

"Sim, faço parte mesmo de uma tradição. Sou e somos sempre influenciados”, diz ele que, mais novo, tem o metabolismo artístico inspirado por nomes como Brennand, Zé Cláudio, João Câmara, Reynaldo e Badida. Com a pintura, há cerca de vinte anos, Popó teve aulas regulares de pintura. Mas suas maiores inspirações vêm de mais longe. “Da Vinci é um gênio além da pintura”, diz ele, em cujo ateliê são revirados constantemente livros sobre a vida e a pintura de gênios como Rafael e Michelangelo.

Enquanto sua casa no Poço da Panela enfrenta uma reforma, Popó transforma um dos quartos no apartamento em que vive que a avó em ateliê. Disciplinado, sai do quarto poucas vezes, para as refeições ou pra trocar umas risadas com a sempre bem humorada Nair Menezes. Com 101 anos, dona Nair não dispensa uma brincadeira com o neto que trouxe para criar consigo ainda bebê. Vez por outra, cai na gargalhada enquanto escuta piadas ou recebe cócegas na barriga do neto-filho. “Meus pais eram muito jovens quando eu nasci, imaturos. Ela assumiu minha criação”, diz ele que, no entanto, sempre teve uma relação de amizade com os pais biológicos. Foi seu pai, aliás, que lhe deu seu primeiro kit de bico de pena.

Edson Menezes não tinha dez anos de idade quando ia transformando as contracapas dos cadernos escolares em composições e retratos. “Na hora do recreio, meus amigos viam me pedir para fazer desenhos para eles. Eu gostava muito”, recorda. Dessa época, como suvenires preciosos da infância, permanecem os desenhos de personagens clássicos, como Fred Flintstone ou Santos Dumont, feitos com lápis de cor e carinho para a vó Nair. Emoldurados, ficam na parede que dá acesso ao quarto-ateliê em que trabalha. “Mas nunca imaginei, naquele momento, que pudesse ser um artista profissional”, diz ele que, iniciante, ia gastando suas canetas de bico de pena em desenhos imaginativos, de grande psiquismo, uma espécie de surrealismo adolescente. Chegou a se formar numa faculdade de Economia. Depois de trabalhar em lojas de roupas e até bancas de revista, chegou a trabalhar rapidamente como economista. Mas a vocação falou mais alto.

Consciente de que seu futuro passaria por pincéis, foi estudar pintura clássica numa escola de Belas Artes de Florença, na Itália, Lá, ficou quatro anos. “Foi muito importante para apreender noções e procedimentos importantes da pintura clássica”, diz ele que, rigoroso, utiliza, como poucos pintores pernambucanos o princípio do renascentista do chiaroscuro.

Palavra italiana que significa “claro-escuro”, esse recurso define os objetos na pintura pelos contrastes entre luz e sombra, sem contornos demarcatórios em linhas rígidas. Pelo contraste, os personagens de Popó ganham camadas emotivas. Com dramaticidade, sua luz transforma algo corriqueiro em extraordinário.

Por isso, sua disciplina com a luz. Muitas vezes, cerra as janelas do ateliê para poder trabalhar. “A luminosidade externa interfere muito em nosso olhar”, ele diz. “Por isso, costumo trabalhar em dois quadros simultaneamente. Um de manhã e outro à tarde. Para manter sempre a mesma luminosidade em que comecei cada obra”, diz Popó, um dos poucos artistas mais jovens a integrar, por exemplo, o elenco de final de ano da exposição da prestigiosa galeria Brennand, no Pina, mantida por Neném e Maria Helena, filhas do artista que batiza o estabelecimento. Além de mestres como o próprio Brennand, João Câmara, Ploeg e Reynaldo, a coletiva abre espaços para poucos nomes mais novos. Este ano, além de Popó, apenas Rinaldo e Gil Vicente.

REGIONAL

Edson Menezes trabalha mais com disciplina que vaidade. Aceita, por exemplo, encomendas diversas para produzir retratos, de composição rigorosamente bem estruturado - nunca conclui um com menos de um mês de trabalho. E chega, inclusive, a aceitar opiniões da clientela. “As pessoas querem, afinal, se sentir bem com os retratos que encomendam. Acho que é um trabalho de parceria, mas, no fundo, é sempre uma pintura minha”, ele diz, lembrando outro de seus ídolos locais. O pintor José Cláudio, como ele, costuma dizer que se o comprador quiser um quadro mais impressionista ou naturalista, o pintará conforme o desejo do comprador. “Porque, diz ele, sempre será um quadro meu”.

Para a obra de final de ano do Jornal do Commercio, Popó quis mesclar referências clássicas e regionais. Díptico, numa das cenas o quadro traz uma Virgem Maria com cajus impressos no vestido quando recebe A Anunciação. Ao fundo, uma planta de cana de açúcar. Noutra cena, os três reis magos vão visitar o Menino de Jesus montados em cavalos marinhos. “Nossas narrativas vão também incorporando a paisagem da cultura”, confirma.

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