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A vertigem barroca de Farnese de Andrade

Artista mineiro tem obra exposta na Caixa Cultural do Recife

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 12/12/2018 às 18:57
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Artista mineiro tem obra exposta na Caixa Cultural do Recife - FOTO: Divulgação
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Contrito, conflituoso, extenso, surrealista, metafísico, homossexual reprimido por uma moral patriracla da qual, contraditoriamente, se alimentou e da qual nunca livrou, o mineiro Farnese de Andrade morreu, em 1996, como uma excêntrica e cultuada (apenas por iniciados) curiosidade da arte brasileira. Quando faleceu, intoxicado pelo excesso de lítio dos antidepressivos, sua personalidade era ligeiramente maior que sua obra - havia sido, por exemplo, ignorado da Bienal Brasil Século 20, depois de participar de quatro edições. “Havia um pequeno grupo de pessoas com dinheiro que o colecionavam. No mais, ou não se gostava dele, ou ele era ignorado”, diz Marcus Lontra, o principal responsável pela atual ressurreição artística de Farnese. “Hoje, é impossível se pensar numa coleção de arte brasileira sem sua presença”, continua.

Um dos curadores da hoje histórica mostra Onde Está Você Geração 80?, mostra no Rio que revelaria nomes como Beatriz Milhases e Tunga, redefinindo a ética e a estética da arte brasileira a partir dali, Lontra é o curador da mostra Farnese de Andrade – Arqueologia Existencial. Em circulação desde 2015 por cidades como Brasília, Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, com prêmios de exposição do ano em algumas, a mostra chega hoje ao Recife. Com a exibição do filme Farnese, feito em 1970 pelo cineasta Olívio Tavares e Araújo, uma entrevista em vídeo com o curador, textos e poemas sobre o metabolismo criativo do artista, a exposição entra em cartaz no Caixa Cultural.

Ilustrador de veículos importantes da imprensa carioca, desenhista habilidoso, aluno de Guignard e gravador, Farnese chamaria mais atenção pelo tipo de escultura composta de elementos díspares – caixas, gamelas, armários, oratórios, ex-votos, santos, bonecas, castiçais, balas de artilharias, ossos de animais, objetos corroídos pelo mar e recolhidos pelas praias – que, reunidos em assemblage, davam conta de sua subjetividade complexa e de uma brasilidade fora da moldura-padrão. “Farnese era do interior, e trazia esse interior sempre. Somos ensinados a entender o Brasil de uma forma tropical, luminosa, mas há também a violência, a opressão, a castração, crescentes hoje”, comenta Lontra, sobre os objetos de grande magnetismo situados em algum ponto entre o lúdico e o mórbido.

Hoje também celebrado pelo mercado capaz de pagar valores com até mais três dígitos, em dólares, por algumas obras, Farnese ficou muito tempo confinado. “Havia uma certa corrente dominante sobre a arte brasileira que privilegiou os experimentos formais”, diz Lontra, sobre a predominância da arte neoconcreta até meados dos 80. “E Farnese trazia também estéticas do modernismo que foram desprezadas por muito tempo no Brasil, como o surrealismo ou o dadaísmo até, pelo menos, por exemplo, até o surgimento de artistas como Tunga”.

MORTE

Obcecado pela morte como tema, barroco sem o excesso – suas cenas parecem não o discurso além da verborragia, mas na iminência dela –, Farnese tinha a solidão como ideal humano. Complexa e obscura como sua personalidade, sua obra tanto assinalava a certeza da finitude como a esperança em superá-la. Barroca como o Brasil, traz petulâncias eróticas por entre as frestas da densidade de um país exposto a luz – e quem nem sempre sabe dela banhar-se.

Farnese de Andrade – Arqueologia Existencial. Caixa Cultural Recife – Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife. Abertura, hoje, às 19h. Até 17 de fevereiro. Entrada franca. Informações: 3425-1915.

 

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