Crônica social

Flávia assume Dia a Dia

Um dos melhores textos do jornalismo contemporâneo, a jornalista Flávia de Gusmão leva seu humor, inteligência e experiência ao colunismo social

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 30/05/2013 às 9:17
Heudes Régis/ JC Imagem
Um dos melhores textos do jornalismo contemporâneo, a jornalista Flávia de Gusmão leva seu humor, inteligência e experiência ao colunismo social - FOTO: Heudes Régis/ JC Imagem
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Não é por acaso que Machado de Assis está sempre no topo da lista dos autores preferidos e revisitados por Flávia de Gusmão. Do escritor, sempre se disse que foi um cronista dos salões. Mas o gesto social na crônica machadiana jamais se limita à plasticidade óbvia e estéril da etiqueta. Diz muito dos valores que movem a própria sociedade.

“Os grandes momentos dos contos de Machado, para mim, são as descrições dos bailes, o que as personagens trajavam, como se moviam. Contos de um humor, de uma inteligência e até de um sarcasmo sempre elegantes. Você nunca encontrará um Machado grosseiro, embora ele diga até barbaridades”, comenta a jornalista, escritora, pesquisadora, crítica e, claro, dedicada leitora machadiana que, agora, afia ainda mais o olhar sobre a crônica social. A partir da próxima segunda-feira, Flávia de Gusmão deixa o cargo de editora assistente do Caderno C, onde atuou por mais de 20 anos, e assume a titularidade da Dia a dia, do JC, uma das mais influentes e antigas colunas sociais do País. A jornalista Anneliese Pires atua como colunista-assistente.

“Flávia é uma ótima repórter, com grande senso da notícia, dona de um texto excelente. Tenho certeza de que vai fazer uma coluna extremamente interessante para vários setores. Além de ter uma grande noção de como se faz um jornal, tem experiência sólida, até internacional”, diz o diretor de Redação do Jornal do Commercio, Ivanildo Sampaio, sobre a escolha da colunista.

Flávia de Gusmão sabe que não é preciso, apenas, estar no topo da pirâmide ou da cadeia econômica, como julga o senso comum, para que alguém se torne personagem de coluna social. “É preciso ter representatividade dentro da sua esfera, ser um formador de tendências, ter um pensamento substancial. Ou seja, as pessoas que sinalizam para algum lugar. São atributos que a gente admira em muitas pessoas distintas”, diz ela, lembrando que o poder, no mundo contemporâneo, não é apenas econômico ou político. “Pretendo, naturalmente, continuar atenta também à minha matriz, à área da cultura e das artes que acompanho há tanto tempo”, diz ela.

Flávia de Gusmão é o que se pode chamar de cria da casa. Começou na redação do Jornal do Commercio ainda como estagiária. Estreou já na editoria de cultura. “O jornalismo mudou muito daquela época para cá. As quantidades de texto eram muito maiores, quase literárias. Hoje, são bem menores. Até porque o mundo vive a era da saturação da informação, que nos atinge de várias fontes, e cria a síndrome da mania por pílulas de informação. Ou seja, nos informamos muito rápida e superficialmente sobre tudo”. diz.

“Mas o Caderno C, apesar disso, nunca perdeu a preocupação de manter gente capaz de produzir textos com articulação de pensamento e estilo”, diz ela, que, ao lado do editor Marcelo Pereira, vem desenvolvendo a linha editorial do caderno nessas duas últimas décadas. Entre outros, o veículo tem no currículo histórico o fato de ter noticiado e respaldado alguns dos principais artistas e movimentos culturais que deram a cara do Pernambuco contemporâneo. Foi assim com a primeira geração de músicos do chamado manguebeat ou com o cinema pernambucano ressurgido a partir dos anos 1990. “Nunca perdemos o foco de valorizar a cultura pernambucana. O Caderno C sempre encontrou novos nomes, nas várias artes”, pontua.
Apesar de formalmente vinculada ao C, Flávia já atuou em todas, rigorosamente todas as editorias do jornal. “Já fui até colunista no caderno Cidades, o que me dá uma visão geral não só do jornalismo, mas da cidade”. Em 1995, ela se ausentou do jornalismo pernambucano e passou um ano morando em Londres. Ganhou a bolsa Chevening Awards, concedida pelo The British Council, para um ano de estudos na Universidade de Londres. Seu foco se concentrou nas questões da representação de gênero e raça na mídia. “A literatura, a TV, o cinema e a mídia em geral perpetuam, através de seus vários canais, estereótipos sexualizados em cima das mulheres e homens”. O título de sua pesquisa foi O mito da vênus tropical.

Responsável por alguns pioneirismos na imprensa pernambucana, Flávia de Gusmão é a primeira crítica de gastronomia a atuar no Nordeste. Há cerca de 20 anos, sinergicamente, ela e o diretor de redação Ivanildo Sampaio perceberam que era o momento de tratar a gastronomia como categoria jornalística.

“A gastronomia é uma maneira assertiva, tátil, de a gente ter orgulho sensorial de coisas que dizem que nós somos quem somos. É uma linguagem cultural como as outras, tem seus mecanismos de linguagem e de criação. Gostaria muito que os poderes públicos passassem a encarar a gastronomia como um ramo sério da cultura”, diz ela. A colunista lembra, também, que o jornalismo gastronômico do C foi responsável por trazer a público figuras e a cena gastronômica que fazem hoje a fama de Pernambuco. Aos ansiosos, ela avisa que não vai abandonar as colaborações para a seção Boa mesa, publicada às sextas-feiras. “Não largo o osso”, brinca.

Versátil, embora pouca gente saiba, é também professora. Ensina comunicação para alunos da Faculdade Pernambucana de Saúde. “É uma atividade que realmente poucos sabem que eu desenvolvo, mas que faço com muito prazer”, diz ela, que foi responsável pela implementação do laboratório de comunicação da faculdade. “Saí da minha zona de conforto para implementá-lo e o objetivo desse laboratório é melhorar a comunicação entre médicos e pacientes. A função de um médico não e só entender a doença, mas também o doente. Já formei duas turmas e pretendo manter esse trabalho até quando eu puder”.

Escritora entusiasta de biografias, Flávia também já atua como cronista de seu tempo. Há mais de uma década, assina a coluna, Sexo@cidade, uma análise de vida social da cidade pela perspectiva dos gêneros. Aos fãs, ela avisa que não vai aposentar a coluna. “Sou uma pessoa de texto, então, dificilmente, vou conseguir me livrar disso”, brinca a dona de uma velha edição de contos de Machado de Assis, já até ruída de cupins, que herdou do pai e não abandona por nada nesse mundo.

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