AMÉRICA DO SUL

Com voo direto, chegou a hora e a vez de se apaixonar por Montevidéu

A capital desse pequeno país mostra níveis invejáveis de desenvolvimento e uma personalidade que é só sua

Flávia de Gusmão
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Flávia de Gusmão
Publicado em 10/07/2016 às 9:00
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A capital desse pequeno país mostra níveis invejáveis de desenvolvimento e uma personalidade que é só sua - FOTO: Divulgação
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Esta não é uma matéria de turismo convencional, que indica pontos de interesse e tal. O propósito maior é tentar entender o espírito uruguaio. E, para isso, cruzaremos dois elementos: o país, em si, e o vinho que ele produz. Cabe, para começar, a primeira pergunta: “Por que o Uruguai?”. Mais no alvo ainda seria a questão “Por que o Uruguai, AGORA?”

Para os pernambucanos e Estados vizinhos uma resposta pode ser dada do ponto de vista prático. Com a implantação de um voo direto, partindo do Recife para Montevidéu pela Gol, apenas cinco horas nos separam dos nossos hermanos ao Sul. Mais rápido do que chegar em Porto Alegre.

Ao contrário da feérica Buenos Aires, descoberta e curtida à exaustão pelos brasileiros, Montevidéu ainda permanece envolta numa espécie de preservação não conspurcada pelo turismo desenfreado, aquele que, sim, despeja adoráveis divisas nos cofres públicos e privados, mas que, gradualmente, vai erodindo a “vida normal” de uma cidade. O Uruguai nos lembra aquela criança tímida que, enquanto os alunos mais populares da escola se esbaldavam em festas e flertes, ela se recolhia na calma da sala de aula desocupada no recreio para fazer suas tarefas.

Alguns dados indicam que o Uruguai vem colhendo frutos por tal aplicação ao dever, mais do que ao prazer: é o país mais alfabetizado da América Latina; possui as primeiras praias do mundo a obter certificação ambiental ISO 14001; é o país menos violento do continente e também o menos corrupto. Num extensão territorial 45 vezes menor do que o Brasil, com 176.215 km², menor até que o Estado de São Paulo, mais da metade da população (1,8 milhão) vive na capital e região metropolitana, sendo que o restante (1,7 milhão) se espalha pelo interior, onde são produzidas as riquezas da mesa local: vinhos, carnes e lácteos.

Enquanto a vizinha Argentina se esbaldava em exportações, particularmente dos vinhos elaborados com sua uva emblemática, a Malbec, e o Chile seguia pelo mesmo caminho, só que usando a Carmenère em sua bandeira, deixando os demais produtores do Cone Sul a verem poeira, o Uruguai, que, por sua vez, tem na casta Tannat a sua maior representatividade, seguia produzindo de cabeça baixa, sem se deixar aprisionar pelas tendências ditadas pelo mercado externo: 70% de sua produção é consumida intramuros.

Sim, seu Tannat é incomparável, mas os vitivinicultores mantiveram o foco na diversidade, laborando com igual desvelo outras castas tintas e brancas, sem se deixarem seduzir pelo feitiço embutido na definição “emblemática”.

O efeito colateral dessa introspecção foi que, com a imunidade adquirida ao que vem de fora, o Uruguai consolidou uma personalidade toda sua também no que diz respeito ao vinho. Não importa se o mundo começa a vociferar contra a mesmice provocada pela padronização da bebida oriunda do Novo Mundo, provocada pela ânsia de agradar – e exportar cada vez mais. O Uruguai é um ponto fora da curva.

Não são poucos os visitantes que reputam uma certa atmosfera nostálgica ao Uruguai, em geral, e a Montevidéu, em particular. Descrevem a sensação como um lugar parado no tempo. Há quem ache isso muito bom, há quem não. Poetas escreveram sobre isso. O argentino Jorge Luis Borges, por exemplo, em seu poema Montevideo, compara a cidade uruguaia a uma Buenos Aires que já não existe mais.

A sensação não deveria ser confundida com “atraso”, no seu sentido pejorativo (sim, há atrasos positivos). Antes, precisa ser inalada como a brisa fresca que se desprende do Rio da Prata, que muitos, sem culpa nenhuma diante de sua enormidade, confundem com o mar. Montevidéu parece aquela criança que cresceu e virou um adulto que sabe o que quer ser e aonde ir. É indiferente se seus vizinhos cosmopolitas desfilam seus aparatos confirmadores de modernidade e arranha-céus como símbolo de futuro.

O turismo (ele) em Montevidéu é desenhado para gente crescida, posto que se baseia em contemplação (das praças, monumentos, museus, parques, teatros, lindos bairros residenciais, igrejas e, claro, a “rambla”, que é a “beira-mar lá deles). Passeios que sempre deságuam em comes e bebes. Se nossos compatriotas extasiam-se diante das carnes e do dulce de leche oferecido pelos portenhos vão acender velas como forma de homenagear esses dois produtos na versão uruguaia.

Dois pontos se destacam como joias dessa coroa hedonista que é a gastronomia: o Mercado Agrícola de Montevideo (MAM) e o Mercado do Porto. O primeiro enche seus olhos com a infinidade de produtos frescos – de vegetais a embutidos aromáticos. O segundo lhe intima a apreciá-los. No Mercado do Porto de Montevidéu, 14 restaurantes ostentam orgulhosamente em seus braseiros e vitrines os portentosos frutos da terra, o burburinho em torno das mesas é estimulado pela expectativa, “una copa de vino” para aquecer. Montevidéu entra suavemente no seu paladar, mas seu retrogosto perdura.

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