Identidade

Café com certificação de origem começa a ganhar corpo no Brasil

Uma das primeiras indicações de procedência no País, a Serra da Matiquera, entre Minas e São Paulo, ajuda a criar a cultura do café de excelência no País

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 07/07/2018 às 15:56
Reinaldo Souza / Divulgação
Uma das primeiras indicações de procedência no País, a Serra da Matiquera, entre Minas e São Paulo, ajuda a criar a cultura do café de excelência no País - FOTO: Reinaldo Souza / Divulgação
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SÃO SEBASTIÃO DA GRAMA (SP) – Há mais ou menos dez anos, preocupado com os rumos da fazenda na qual gerações sucessivas de sua família planta café desde 1890, o produtor paulistano Cristiano Otoni foi a uma feira segmentada nos Estados Unidos. Queria sondar as possibilidades para começar a exportar seus grãos. “Na época, pouquíssimas fazendas do Brasil exportavam. Tinham acabado de cair as barreiras de exportação no País”, comenta ele, com a lembrança: “Num dos mapas sobre a produção do planeta, o Brasil aparecia como o maior produtor mundial e, também, como um centro reconhecido de produção de volume e de café de baixíssima qualidade”, diz o produtor, que voltou com a preocupação e uma determinação: iria trabalhar para reverter o panorama.

De origem remota na Etiópia, consagrado pelos árabes e abraçado na Europa com o Renascimento – era a bebida sociável e que respaldava a racionalidade exaltada pelo Iluminismo depois dos séculos excessivamente ébrios da Idade Média –, o café tomou conta do mundo para nunca mais retroceder. No Brasil, as primeiras mudas foram plantadas no século 18, na então província do Grão-Pará. Desde então, o café forjou barões, sustentou o Império, acorrentou escravos, patrocinou a grande oligarquia da incipiente República, urbanizou cidades como o Rio e São Paulo e continuou a ser o que sempre foi: base de uma bebida de péssima qualidade.

O panorama só começou a mudar justamente com o trabalho de fazendas como a dos Otoni na Serra da Mantiqueira, a região onde São Paulo se confunde com Minas na fronteira montanhosa. “Ali, percebemos que o caminho seria investir em cafés especiais”, lembra ele, hoje dono de uma das maiores carteiras de exportação do País e fornecedor, no Brasil, de gigantes como a Nespresso, o braço cafeeiro da multinacional Nestlé, que introduziu a recente cultura do café consumido num novo código de elegância através de máquinas domésticas para extração do pó mantido em cápsulas.

É uma (nem tão) silenciosa revolução econômico-cultural a que o café vive no Brasil, reinventando seu poder simbólico e de consumo. O café de excelência vai criando jurisprudência cultural no País. “Antes, o café era torrado até com palha e milho. Hoje, além do cultivo muito criterioso, os grãos são extremamente selecionados”, diz Otoni.

Se há dez anos ele exportou um contêiner experimental para o Japão, hoje fornece cafés especiais para mais de dez países e atores poderosos do setor. “Hoje, no mundo inteiro, trabalhamos com café totalmente rastreado, com grãos de excelência, de produção sustentável”, diz, de forma geral, Claudia Leite, Gerente de Cafés e Sustentabilidade para a Nespresso, sobre os rígidos critérios de seleção dos cerca de 70 fornecedores no País.

“Queremos trabalhar com café de origem”, diz ela sobre como o mercado vai, assim, forjando a cultura. “Não foi fácil convencer produtores tradicionais a abandonar antigas lavoura e refazer parte do plantio”, explica. Para fazer parte dos fornecedores da multinacional, os produtores tradicionais brasileiros precisam abandonar as lavouras predatórias e adotar os critérios de sustentabilidade exigidos pelos principais mercados do mundo. Por exemplo, o respeito integrado ao meio ambiente.

CAFÉ VERDE

“Hoje, as lavouras não podem mais estar perto das nascentes e na beira do curso dos rios. Não foi fácil convencê-los a reflorestar”, ela diz. O investimento ambiental se converte também num ativo econômico. “Com as matas, o clima melhora, o que beneficia nossas plantas. E a floresta atrai e concentra, por exemplo, parte das pragas que atacam o café”, diz o produtor Otoni.
Responsável por 30% de todo o café que se bebe no mundo, o Brasil hoje atrela qualidade à xícara. Há uma década inexpressiva, a venda para o exterior de cafés especiais corresponde a 21,1% de todas as exportações brasileiras. Pelos dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Café), ano passado o volume ficou em 14%. Em janeiro, a Alemanha passou a ocupar o primeiro lugar no ranking dos principais consumidores do café brasileiro, com 20,6% de participação (513.070 sacas). Os Estados Unidos – que lideravam a lista desde março de 2017 – ocupam agora a segunda posição, com 17,9%. “O consumidor internacional vai induzindo o nacional”, rubrica Otoni: cerca de 10% da produção cai nas xícaras do mercado interno. “Não podemos precisar, mas a procura só aumenta.”

Isso quer dizer que o café é o novo vinho. Ou seja, o mundo – e o próprio brasileiro – já começa com mais força a tomar café com certificação de origem. “Além de conferir identidade cultural, os selos de origem garantem a participação em mercados importantes. São grifes de procedência”, diz o advogado Guilherme Amado, profissional que largou a advocacia para trabalhar como gerente de “café verde” para a Nespresso e percorre os interiores de Minas Gerais e de São Paulo convencendo produtores a adotar as novas práticas produtivas.

Depois da uniformização de práticas e de análise por laboratórios competentes, a Serra da Mantiqueira possui indicação de origem para seu café, concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, desde 2011, com cafés fornecidos para torras muito suaves. “Um café de qualidade tem que ter uma torra muito bem controlada, para exprimir suas qualidades. As torras fortes, muito comuns no Brasil, servem muitas vezes para esconder os defeitos do grão”, diz Amado.
Na Serra da Mantiqueira, o grão que faz sucesso e justifica a indicação de origem é relativamente raro no Brasil. Do tipo arábica, o bourbon amarelo domina a paisagem. “É um café muito delicado, também no cultivo, que possui uma extrema doçura natural”, diz a especialista Claudia Leite sobre esse café que, mais que notas de laranjeira, caramelo e melaço, vai imprimindo também identidade na recente cultura do café que, mais que padrão, busca sotaques diversos pelo Brasil.

*O repórter viajou a convite da Nespresso.

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