Restaurante

Oleiro: Claudemir Barros eleva a nova gastronomia brasileira

Num casarão do Parnamirim, chef faz alta cozinha lastreada no terroir regional

Bruno Albertim
Cadastrado por
Bruno Albertim
Publicado em 12/09/2018 às 17:04
Wagner Ramos / JC IMAGEM
Num casarão do Parnamirim, chef faz alta cozinha lastreada no terroir regional - FOTO: Wagner Ramos / JC IMAGEM
Leitura:

Num tempo muito recente, recentíssimo, aliás, incorrer pela alta gastronomia implicava em basicamente um expediente: mimetizar técnicas desenvolvidas ao longo da história por chefs franceses – e alguns italianos –, usando, o máximo possível, ingredientes raros, caros e importados das pátrias onde se tornaram clássicos ocidentais. No Brasil, com o pioneirismo dos estrangeiros naturalizados Laurent Suaudeau e Claude Troisgros, a alta cozinha vem passando por capítulos consistentes de descolonização. Em seu novo restaurante, o Oleiro, instalado numa charmosíssima casa do bairro recifense do Parnamirim, o chef Claudemir Barros está escrevendo um momento glorioso da nova gastronomia brasileira.

O nome Oleiro, explica Claudemir, batiza o restaurante pela inspiração no ofício: semelhante aos que trabalham sobre o barro, ali o chef busca moldar, o mais artesanalmente possível, os alimentos. Na casa em sociedade com o empresário Manoel Fernandes e o também chef Thiago Vita, o termo não poderia ser mais adequado. Dono de uma técnica que, sem favor, o aproxima de grandes nomes do cenário gastronômico contemporâneo como o paulistano Alex Atala ou o peruano Gastón Acúrio, Claudemir amplia a perícia dos anos em que militou nas hostes da alta cozinha europeia (foi chef do classudo Wiella Bistrô por 14 anos, até que sua proposta de autoralidade não mais cabia no estilo clássico da casa). Incorpora suas muitas pesquisas pelos sertões e litorais e, com maestria, faz uma cozinha de terroir próprio. Cosmopolita e regional, sua gramática culinária exala brasilidade sem deixar de estar em diálogo com o mais contemporâneo.

Sim, estamos falando de uma cozinha cheia de informações, não apenas aos sentidos, mas também à inteligência. Mas o grande trunfo, nesse momento em que, de Lima a Camocim, todo o mundo faz gastronomia imprimindo a própria identidade, é que os fogões do Oleiro não emitem apenas discurso.

Com pratos de uma complexidade incomum, várias cocções e cortes simultâneos, as receitas autorais são de uma potência de sabores que resvalam no grande prazer da boa mesa. Preparem-se para ver ingredientes corriqueiros fora do lugar comum. Ao lado de massas, filés ou grandiosos ossobucos, artigos como fruta-pão, castanha-de-caju, mel de engenho, queijo de coalho, tapioca, maxixe e chuchu revelam-se de uma potência inusitada.

PRECISO

Tudo é leve, preciso e, ao mesmo tempo, intenso. Com uma estética clássica e de grande respeito aos insumos regionais, comer no Oleiro é ter a leve impressão de que Bocuse (ou Atala) fizeram as compras numa feira como a de Serra Talhada antes de passar na delicatessen. Cada artigo do cardápio desperta curiosidade – e por isso mesmo, vale muito a pena incorrer no menu degustação (R$ 90, para três etapas; R$ 130, para cinco, com opções de harmonização com vinhos do Vale do São Francisco por mais, respectivamente, R$ 20 ou R$ 30).

Feito com peixe normalmente destinado à exportação, o tartar de atum de sol traz o lombo do pescado curtido, ainda vermelho, mas com um sabor intermediário com a carne bovina pela ação do sal. Servido com beijus e purê espesso de macaxeira, denso e ainda refrescante (R$ 35). O polvo, grelhado, é servido com um igualmente refrescante vinagrete de caju, maxixe e chuchu, mais chips de batata-doce. Trazida do interior, a costelinha de porco desamancha na boca de tão bem cozida, sob o adocicado de um rôti de mel de engenho e uma musseline de castanha de caju, assada à forma “brejeira”.

O ossobuco, bovino ou de cordeiro, é um acontecimento: cozido lentamente no próprio molho, sob uma delicadíssima fatia de lardo, a gordura localizada sob a pele do porco, com um impressionante purê de fruta-pão aromatizado, na mesa, com farinha de chá verde. O peixe do dia, fresco como se tirado há pouco do mar, é recheado com camarões miúdos, assado em palha de bananeira, que dá perfume e confere integridade à carne branca e delicada (R$ 59), com vatapá de jerimum, insinuante, adocicado, e uma farofinha de amendoim.

O salão e a carta de vinhos têm comando luxuoso do maître paraibano Otoniel Abílio, verbete obrigatório da história da restauração no País, mais de 30 anos de carreira, tendo atuado ao lado do francês Laurent Suaudeau e, depois, do próprio Claudemir Barros no Wiella Bistrô.

Uma vez na casa, vale também investir num bom espumante ou vinho doce para incorrer na sessão de sobremesas. Assinadas pela chef Sofia Motta, esposa de Claudemir, são (nem tão) pequenas porções de epifania. Uma delas, une Norte e Nordeste na composição“Cacau, Café, Cupuaçu”: creme de cupuaçu, paletas de suspiro de chocolate, musse de chocolate com café pernambucano, castanha-do-pará e crocante de café torrado.

Com um domínio impressionante do que escolhe e prepara, cheio de conceitos, mas sem a chatice oca de quem não vai além do discurso, Claudemir Barros faz do Oleiro um dos endereços obrigatórios da gastronomia contemporânea não só de Pernambuco, mas brasileira. Um lugar onde a comida oferece identidade e prazer – não por acaso, tem estado lotado desde que abriu as portas, há cerca de dois meses.

Oleiro Cozinha Artesanal. Rua Albino Meira, 58, Parnamirim. Telefone: 3128-1708. Terça e quarta, das 19h às 23h30; quinta, das 19h à meia-noite; sexta e sábado, das 19h à 00h30 e domingo das 12h às 16h.

Últimas notícias