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O som ao redor trilha caminho para consagração

O longa-metragem de Kleber Mendonça Filho conquistou importantes prêmios no Festival de Gramado e vem ganhando destaque na mídia internacional desde fevereiro

Renato Contente
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Publicado em 21/08/2012 às 6:21
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De fundo, o trunfo das classes emergentes brasileiras, dentro de uma realidade que cheira a coisa nova: televisores de plasma, carros de quilometragem zerada e vaga em arranha-céus de grife. O Brasil pós-anos 2000 assim vem apresentando a população de suas metrópoles, mas não sem acentuar – ou desenvolver – problemas de outros séculos, como a insegurança urbana, o racismo velado e a verticalização de uma cidade por dinheiro, que também cheira a novo. Com esses elementos, o longa O som ao redor, do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, vem conquistando o mundo e, no último final de semana, deu o primeiro passo para a apreciação nacional dentro do 40º Festival de Gramado, de onde saiu vitorioso.

Ao todo, o filme ganhou dois prêmios no festival, os chamados Kikitos: Melhor Desenho de Som (para Kleber e Pablo Lamar) e Melhor Direção (para Kleber), além da rara premiação conjunta de Júri Popular e Júri da Crítica. “Fomos estratégicos ao escolher Gramado para receber a primeira exibição oficial do filme no Brasil. Pensamos no festival pela tradição e a forte presença da mídia de cultura e crítica. Como confirmamos, foi um ótimo cartão de visitas”, afirma o cineasta e ex-crítico de cinema do Jornal do Commercio, que desde fevereiro vem acumulando importantes prêmios internacionais, como o Fipresci Award, da Holanda, e o CPH Pix, da Dinamarca.

A falha do filme na exibição oficial dentro do Festival de Gramado, causada pelo estouro das caixas de som, foi compensada no dia seguinte com duas sessões extras. Crítica e público, que haviam saído decepcionados por não assistirem aos 40 minutos finais na sessão oficial, compareceram em peso no outro dia. “O festival foi respeitoso e elegante quanto a contornar o problema. Foi interessante porque praticamente todos que tinham ‘perdido’ o final estavam na sessão, revendo o filme desde o começo ou chegando no ponto em que a obra havia sido interrompida”, lembra.

O som ao redor, cuja trama se passa na rua em que Kleber mora, em Setúbal, Boa Viagem, na Zona Sul da cidade, atingiu outros países pela universalização das tensões expostas, mas também por certo tom mítico que ganhou aos olhos gringos. Foi após o Festival de Gramado, entretanto, que o realizador pôde sentir o sabor da recepção nacional. “Pelo que observei em Gramado, por aqui há mais precisão na decodificação do filme por motivos óbvios, como a fala, o sotaque e determinadas situações sociais bem específicas. O público o entendeu como realista e com certo ‘apelo social’. Em outros países, no entanto, percebi que há uma aura de mistério em torno do filme. Essa distância do Brasil deu aos espectadores de fora uma vontade curiosa de tentar decifrá-lo, no sentido de uma forte atração por um objeto de estudo de cinema”, explica.

Entre os destaques recentes na imprensa está uma matéria no The New York Times, publicada em duas páginas da edição do último domingo, assinada pelo repórter Larry Rohter, ex-correspondente do jornal no Brasil. Na publicação, O som ao redor é citado como “o provável primeiro grande filme brasileiro a abordar diretamente as transformações sociais do País nos últimos 18 anos”, no momento em que atingiu o posto de sexta maior economia do mundo.

Em entrevista ao periódico americano, Kleber confessou ser um grande admirador do Cinema Novo, movimento dos anos 1960 onde Glauber Rocha, um de seus principais idealizadores, defendia uma “estética da fome” em contrapartida à produção hollywoodiana. Kleber afirma, contudo, que “chegou a hora de uma abordagem diferente do cinema nacional, a que se aproxima dos problemas de um País que se tornou predominantemente classe média”. Para Kleber, aí pode estar a essência uma nova e vigorosa “estética brasileira”.

Se a capital pernambucana cheira a novo, quase papel bolha, pelos hábitos recentes das classes emergentes, Kleber se propôs a desvendar no filme não seu cheiro, mas o som. “Recife tem som de cidade tropical, litorânea, onde há uma grande união entre várias classes sociais e elementos culturais diversificados. A cidade recebe injeções de dinheiro, com capacidade de demolir e construir na mesma proporção – e este é um som muito particular”, conclui.

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