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Crítica de Kleber Mendonça Filho incomoda executivo da gigante Globo Filmes

Diretor de "O som ao redor" declarou que o modus operandi da produtora global atrofia o conceito de diversidade do cinema nacional

Beatriz Braga Mateus Araújo
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Beatriz Braga Mateus Araújo
Publicado em 22/02/2013 às 9:41
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Nos últimos meses, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho tem feito barulho dentro e fora do País com o premiado filme O som ao redor, seu primeiro longa-metragem de ficção, feito com menos de R$ 1,8 milhão. Produção de baixo orçamento, o filme pode até não incomodar as grandes produtoras que dominam as bilheterias – fez até agora 80 mil espectadores. Mas as opiniões do diretor, que também é crítico dos mais sinceros, sim, a ponto de provocar reação do poderoso Cadu Rodrigues, diretor executivo da Globo Filmes, maior produtora de blockbuster made in Brasil. Em tom de afronte, Rodrigues propôs um desafio ao diretor pernambucano: produzir e dirigir um e fazer 200 mil espectadores com todo o apoio da Globo Filmes. “Se fizer, nada do nosso trabalho será cobrado do filme dele. Se não fizer os 200 mil, assume publicamente que, como diretor, ele talvez seja um bom crítico”, alfinetou.

A razão da ousada proposta veio depois da publicação de uma matéria na Folha de S. Paulo, na qual Kleber emite sua opinião negativa sobre o modus operandis da Globo Filmes. “Minha tese é a seguinte: se meu vizinho lançar o vídeo do churrasco dele no esquema da Globo Filmes, ele fará 200 mil espectadores no primeiro final de semana”, disse o cineasta na reportagem especial "No quintal de Kleber Mendonça". Tendo entendido as aspas como uma provocação, Cadu Rodrigues lançara mão do desafio em carta aberta.

Em sua tréplica, via Facebook, direto de Istambul, onde está apresentando O som ao redor, Kleber agradeceu e recusou o desafio, sob o argumento que “o valor de um filme, ou de um artista, não deveria residir única e exclusivamente nos número$ (sic)”. E disparou mais uma crítica de volta: em sua opinião, a Globo Filmes “atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto”.

O som ao redor vem dando uma grande visibilidade a Kleber Mendonça Filho. Entre seus últimos méritos, ele teve a obra indicada entre os dez melhores filmes pelo crítico do The New York Times, A.O. Scott. O nome do diretor apareceu na mesma lista de Steven Spielberg e Quentin Tarantino. Uma repercussão que as produções da Globo Filmes não alcança. Enquanto o filme de Kleber custou R$ 1,8 milhão, sendo R$ 550 mil provenientes do Fundo para o Audiovisual do Estado do Pernambuco, um recente lançamento da Globo Filmes, a comédia De pernas para o ar, custou R$ 10 milhões e atraiu cerca de 600 mil pessoas na sua primeira semana de exibição.

“Você não pode comparar um filme que teve 200 cópias com outro que teve dez ou cinco cópias. A gente também não sabe dizer quantas pessoas espalhadas pelo Brasil estariam interessadas em ver um filme desse tipo (fora do circuito comercial). Pode ser que atingisse muita gente, pode ser que não. As pessoas que estão habituadas a ver filmes diferentes são obrigadas a sentar em salas espremidas feitas para os que já curtem esse tipo de cinema”, comenta o professor e crítico Alexandre Figueirôa, do curso de Comunicação da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
O professor Cláudio Bezerra, também da Unicap, argumenta que embora a Globo Filmes ocupe uma fatia do mercado, “a história é mais profunda”. “Quem domina as salas de exibição são as grandes corporações internacionais. Claro que a Globo Filmes tem parcerias com alguns desses estúdios. Naturalmente ela poderia ceder e apoiar produções independentes. Mas ela atende a um determinado mercado e tipo de filme”, diz. “É preciso uma lei que dê mais apoio e instrumentos legais que obriguem as emissoras de TV a comprarem essa produção independente. Seria uma das formas de dar visibilidade e retorno financeiro aos realizadores e não ficar uma coisa de gueto”.

Sobre o embate sempre recorrente acerca da relação entre os cinemas comercial e o independente brasileiros, a professora do curso de Cinema da Universidade Federal de Pernambuco, Mannuela Costa, levanta como questionamento a maneira de se medir e nivelar o modo de recepção e repercussão dos filmes nacionais. “O impacto da cultura vai além de um pensamento estatístico”, diz, referindo-se ao número de público ou de salas onde estão sendo vistos. Para ela, importa o quanto se pode apreender e pensar a partir das produções.

"A Globo deveria investir mais em pessoas que se propõem a um cinema diferente além disso, acredito que política pública de fomento tem que justamente corrigir falhas do mercado. Se o filme comercial fica com as regras do mercado, cabe ao Estado, como regulador, abrir espaços”, comenta Manuella que leciona a disciplina de Economia Criativa. Ela lembra que o mercado nacional é bastante desequilibrado, como revelou pesquisa da Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Os números mostram que cinco produções brasileiras (6% dos lançadas em 2012) fizeram mais de 1 milhão de espectadores no País, enquanto 51 filmes (61%) tiveram menos de 10 mil espectadores e 26 (31%) não chegaram a 1 mil espectadores.

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