POESIA

Filme retrata os desassossegos de Fernando Pessoa

Obra de João Botelho passa nesta quinta (23), na Mostra Cinema Português Contemporâneo

Beatriz Braga
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Beatriz Braga
Publicado em 23/05/2013 às 6:34
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Obra de João Botelho passa nesta quinta (23), na Mostra Cinema Português Contemporâneo - FOTO: NE10
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Disseram que seria impossível transformar em filme O livro do desassossego, do poeta português Fernando Pessoa, um dos grandes nomes da literatura universal. Obra fragmentária, é considerada uma das principais ficções do século 20 e, ao mesmo tempo, como definiu seu autor, “uma autobiografia sem fatos”. Escrita por Bernardo Soares, um semiheterônimo do poeta. Semi porque é, como seu criador explicou, uma mutilação de si mesmo, quase ele próprio. Sem fatos, a obra é uma reflexão sobre a existência humana. O drama, o enredo e o clímax é própria consciência do poeta. O cineasta português João Botelho fez, pois, o impossível n’O filme do desassossego, exibido nesta quinta (23), às 19h30, na II Mostra Cinema Português Contemporâneo, na Caixa Cultural.

O filme corria risco de ser um tedioso monólogo de Bernardo Soares, um ajudante de guarda-livros, a voz desassossegada de uma Lisboa esquecida. Mas João – que comanda debate após a sessão de hoje, um dos destaques do evento – construiu uma obra que guia o espectador a uma sequência surpreendente das divagações de Pessoa.

É possível que o espectador canse em alguns momentos das duas horas de filme. Mas aos que aceitam o convite às investigações íntimas de um grande filósofo, a obra é uma descoberta. Se Pessoa é Bernardo – interpretado pelo expressivo Cláudio da Silva –  é , também, o resto do mundo. Pois vive não de sua alma solitária, mas de sonhar para atingir e analisar a vida alheia. Ele é do “tamanho do que vê” e, uma vez que se alimenta da humanidade, torna-se da sua largura e confunde-se com ela.

“Esculpi a minha vida como a uma estátua de matéria alheia ao meu ser. Às vezes não me reconheço, tão exterior que me pus a mim”, diz o lisboeta.

Bernardo Soares vive de sonhos. No filme, feito tanto para fãs e virgens em Pessoa, o espectador conhece o caminho das pedras de um ser onírico. O primeiro passo, dito na boca vermelha de uma mulher sensual, é importar-se com os detalhes da vida. “É sentir as coisas mínimas, extraordinária e desmedidamente”.  

Outro importante passo  é lidar com o sofrimento natural da existência.  Para isso, uma dica é criar outro ser dentro de si mesmo. De tal maneira que a dor seja sempre alheia. No final, o espectador é avisado, há o espasmo longo e prazeroso de misturar ação e sonho. “Então fui, dentro de mim, coroado imperador”, escreve o Poeta, diz Bernardo Soares e a bela mulher da boca vermelha.

 

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