Nos últimos meses, por mais de uma vez, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho se referiu a O som ao redor como “um trem desgovernado”. Depois de quase dois anos de andanças pelos cinco continentes do planeta, seu premiado primeiro longa-metragem de ficção começa a sentar um pouco a poeira do sucesso, como se isso fosse possível. Afinal, o Brasil inteiro está na torcida para que os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood escolham O som ao redor entre os cinco finalistas da categoria de Melhor Filme Estrangeiro, na lista a ser anunciada no dia 16 de janeiro do próximo ano.
Independente dessa honraria se tornar realidade, Kleber se adiantou e preparou uma magnífica edição dupla de O som ao redor em DVD e blu-ray. O blu-ray só aporta nas lojas nos primeiros dias de janeiro, mas o DVD já está disponível nas melhores lojas do ramo, ao preço de R$ 39,90. Hoje, às 19h, o cineasta promove o lançamento no Recife, na Livraria Cultura do Paço Alfândega, com direito a sessão de autógrafos e uma troca de apertos de mão com cinéfilos e admiradores.
Longa mais premiado, badalado e comentado dos últimos anos do cinema nacional, o filme se transformou numa espécie de polaroide dos conflitos da sociedade brasileira. A partir de algumas ruas aparentemente tranquilas de Setúbal, na Zona Sul do Recife, Kleber revela a complexa herança escravagista de Pernambuco, capta o clima de violência que cerca a cidade e mostra sua irrefreável transformação arquitetônica. Para partilhar com o público a experiência de correr o mundo com O som ao redor, o cineasta fez da edição digital do seu filme uma espécie de biografia em movimento.
Não é nenhum pouco arrogante dizer que pouquíssimo filmes brasileiros recentes ganharam um tratamento igual ao que Kleber dedicou ao seu longa. Como cinéfilo e crítico de cinema por formação, ele reclama a ausência de clássicos do cinema brasileiro em versões digitais de qualidade: “Eu queria levar para casa Vidas secas e Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, filmes que considero grandes e que não existem em blu-ray”, lamenta.
A impecável transferência do filme para DVD e blu-ray é apenas o começo de uma grande aventura em torno do longa, da sua criação e da obra cinematográfica de Kleber Mendonça Filho como um todo. De relógio, são cerca de sete horas de material extra divididos em dois discos. No primeiro, o filme pode ser visto no seu formato de tela original (2.35:1) e em Dolby Digital (2.0 e 5.1), além de duas trilhas de comentários – uma em inglês e outra em português. O making of Filmando o som, de quase uma hora, é uma aula completa sobre as intenções que moveram o cineasta durante todo o processo de realização de O som ao redor, do roteiro à escolha do elenco, dos ensaios com atores a desafios técnicos. Cenas cortadas – inclusive uma bastante engraçado com o músico Júnior Black atuando – e erros de filmagens também estão presentes.
Mas é o disco de extras, com quase três horas de material, que faz do DVD um produto no topo da pirâmide do formato, com qualidade semelhante aos produtos da distribuidora americana Criterion Collection e da britânica Eureka/Masters of Cinema. Um dos pontos altos da bolacha é a seleção de curtas-metragens. Entre surpresas e encantamentos, uma constatação: desde 1994, quando fez Paz a essa casa, um curta em foto-montagem sobre um casarão de uma tradicional família pernambucana, percebe-se que Kleber vinha se preparando para O som ao redor há muito tempo. “Eu apenas sempre fiz o mesmo filme”, diz, sem esconder uma ponta de dor e outra de orgulho.
Ao todo, são nove curtas-metragens, alguns em versões remasterizadas em alta definição, como Vinil verde e Eletrodoméstica. Para fechar, três gravações de debates mostram como O som ao redor atraiu a atenção de críticos e do público em festivais internacionais e brasileiros.
