CINEMA

Fim de semana de experimentação no Festival de Brasília

Pingo d´água e Preto sai, branco fica agradam ao público e à crítica

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 22/09/2014 às 9:28
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Pingo d´água e Preto sai, branco fica agradam ao público e à crítica - FOTO: Divulgação
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A experimentação e a feição coletiva do fazer cinematográfico deram as cartas em Pingo d’água e Branco sai, preto fica, que concorrem na Mostra Competitiva de Longas-Metragens do 47º Festival de Brasília. Exibidos nas noites de sexta e de sábado, os dois filmes se beneficiaram do clima festivo do fim de semana e o Cinema Brasília ficou lotado. No sábado, muitos espectadores ficaram sem poder entrar porque os ingressos para as 720 poltronas se esgotaram rapidamente, enquanto a fila ainda continuava a crescer.


A razão para isso é simples de explicar: era dia de estreia de um dos mais aguardados filmes produzidos no Distrito Federal. Depois de passar em três festivais - em Curitiba, Vitória e Tiradentes, onde recebeu uma menção honrosa -, finalmente os brasilienses e ceilandenses puderam assistir ao inventivo e fabuloso Preto sai, branco fica, de Adirley Queirós, um dos cineasta mais politizados e criativos do País.

Ex-jogador de futebol e cineasta formado pela Universidade de Brasília, Adirley faz dos seus filmes, feitos com pouco dinheiro e sem qualquer ostentação, brilhantes ensaios cinematográficos. Nascido para ser um documentário sobre dois rapazes negros, moradores de Ceilândia, que saíram feridos numa batida policial em um baile black nos anos 1980 - um ficou paraplégico, outro perdeu a perna -, o filme se transformou numa meditação sobre abuso do poder, ressignificação do passado e problematização do futuro.

Beirando o sublime, Preto sai, branco fica articula-se como um híbrido de ficção científica e documentário, em que o espectador é convencido, sem fazer muito esforço, de que o que está vendo é uma obra cinematográfica perfeitamente concebida e realizada, plena de sentidos e sentimentos. Tristeza, medo, revolta, vingança, humor e saudade são sensações que se misturam no decorrer do filme. Nem mesmo as limitações técnicas são capazes de tirar o foco do que se passa na tela. 

Num Distrito Federal futurístico, moradores de Ceilândia, onde Adirley vive e lidera um coletivo, os habitantes do lugar precisam de passaportes para entrar em Brasília. Embora aparentem viver em mundos separados, os dois amigos e um viajante do futuro tentam reconectar passado e presente. Marquim, o DJ paraplégico, comanda um programa de rádio em que revolve o passado entre lembranças sonoras e passos de dança. Shockito, um hábil desenhista, retrabalha pernas mecânicas e outras máquinas. O agente do futuro (Dilmar Durães) viaja à procura do paradeiro dos amigos para a sociedade reparar a injustiça. No fio da navalha entre o documentário e a imaginação mais febril, Preto sai, branco fica é um assombro de frescor cinematográfico.

Na noite de sexta, a produção paraibana Pingo d’água, dirigida por Taciano Valério, já mostrara com quanta liberdade se faz um filme. A partir de encontros em três cidades diferentes (São Paulo, Tiradentes e João Pessoa), Valério e um grupo de amigos - atores, músicos e artistas -, criaram uma série de situações em torno de deles, ora flagrados como personagens, ora como pessoas reais.

O fio condutor é a presença do professor, roteirista, crítico de cinema e ensaísta franco-brasileiro Jean-Claude Bernadet. Aposentado e longe das letras em virtude de problemas com a visão, Bernardet tem se dedicado a interpretação. Em vários dos filmes que tem participado, no entanto, ele aparece como ele mesmo. Em FilmeFobia, que ganhou o Candango de Melhor Filme em 2008, o diretor Kiko Goifman acompanhava o tratamento oftalmológico de Bernardet, que tomava injeções dentro do olho.

Agora, em Pingo d’água, os personagens são nebulosos, mas Bernardet ainda é Bernardet, principalmente nas sequências filmadas em São Paulo, onde convive com um amigo/namorado que lê para ele. Uma das cenas mais impressionantes do filme é quando Bernardet encolhe seu corpo magro e entra dentro de uma mala de viagem. Mas, as mais divertidas acontecem num sítio em João Pessoa, onde ele e o ator paraibano Everaldo Pontes fazem uma performance como dois transformistas idosos. Além de cantar em francês, Bernardet dança sensualmente como uma odalisca das mil e uma noites. Fruto de realizações coletivas, feitas a partir de improvisações, Pingo d´água e Preto sai, branco fica se mostraram experimentações cinematográficas instigantes.

O repórter viajou a convite da organização do festival.

Leia a cobertura completa na edição desta segunda-feira (22/9) no Caderno C, do Jornal do Commercio.

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