ENTREVISTA

Cineasta Ruy Guerra participa de núcleo criativo da Ateliê Produções

Ele dá consultoria de roteiro para seis projetos - quatro para TV e dois longas-metragens

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 12/07/2015 às 6:00
Edmar Melo/JC Imagem
Ele dá consultoria de roteiro para seis projetos - quatro para TV e dois longas-metragens - FOTO: Edmar Melo/JC Imagem
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Um dos últimos cineastas oriundos do movimento cinema novo em atividade, Ruy Guerra acabou finalizar seu 15º longa-metragem, a comédia Quase Memória, adaptada do romance homônimo de Carlos Heitor Cony. Na semana passada, o diretor nascido em Lourenço Marques (atual Maputo), em Moçambique, esteve no Recife para dar uma consultoria de roteiro ao núcleo criativo da Ateliê Produções, que tem como mentor o cineasta Paulo Caldas. Aos 83 anos, o diretor dos clássicos Os Cafajestes e Os Fuzis continua lúcido e produtivo, sempe acompanhado de um charuto cubano. Nesta entrevista, ele falou sobre sua relação com os cineastas pernambucanos, a atual produção do Estado e a orientação que aos projetos da produtora pernambucana. 

 ATELIÊ 

Fui chamado para fazer essa consultoria que eu encaro simplesmente como uma análise. Procuro ajudar a encontrar a forma dramática mais adequada e os pontos mais significantes do roteiro. São trabalhos que estão numa fase embrionária, ainda sem a forma final, por isso o debate é mais amplo sobre intenções e visões de caráter estrutural dos projetos. Minha busca é ajudar cada um a reafirmar suas intenções e, eventualmente, a se reposiconar para melhorar o projeto. Nesse sentido, tem sido muito interessante porque o pessoal é bastante aberto - o que não quer dizer que aceitem qualquer sugestão, pelo contrário. Os projetos são muitos variados - tanto sob o aspecto do formato quanto temático - e isso é muito interessante. 

CINEMA x TV

O formato da TV é mais na forma de seriados, por volta de 26 minutos e entre seis e 13 episódios, o que, evidentemente, se torna diferente de um documentário de uma hora. Os arranjos internos e as estruturas têm que ser completamente diferentes. Assim, é obrigatório que a dramaturgia evolua de formas opostas uma a outra. 

ESCOLA DE CINEMA 

Na verade, eu não ensino direção nem roteiro, mas linguagem. Quer dizer, ensino os fundamentos da evolução da linguagem cinematográfica a partir do primeiro filme até os dias de hoje. Eu procuro abordar as figuras de linguagem que foram se criando, as estruturas dramáticas, e tudo o que diz respeito a passagem da palavra à imagem. O curso da Escola Darcy Ribeiro, no Rio, dura cerca de seis meses, distribuído em 15 aulas. São 70 alunos por turma e eu já perdi a conta de quantos cineastas fui professor nesses anos todos. 

 QUASE MEMÓRIA

O filme acabou de ficar pronto. Vai fazer a carreira um pouco tradicional dos festivais, dialogar melhor com os distribuidores e, possivelmente, ser lançado no início do ano que vem. Foi um filme que eu encomendei a mim mesmo. Eu tenho uma amigo que trabalha em Hollywood, o mexicano Alfonso Arau, que me telefonou e pediu um roteiro para ele produzir. Eu não tinha nada escrito, mas gostei muito do livro e quis fazer o filme. Fiz uma adaptação rápida e me preparei para filmar imediatamente. Mas a produtora dele faliu e eu esperei 20 anos para fazê-lo. Apesar de Quase memória ser uma comédia, foi difícil a captação, justamente numa época em que o gênero está no auge. Reduzi o orçamento e isso fez com que o filme fosse se tornando mais intimista e mais pequeno. Trata-se da história do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, que recebe um pacote muito anos depois de o pai dele ter morrido. É um pouco a história de várias décadas do jornalismo carioca, com episódos muitos engraçados porque o cara era realmente malucão, uma figura simpática, atraente, completamente fora da realidade. Fiz uns ajustes no roteiro original para evitar reconstituição de época, já que eu não tinha tanto dinheiro. 

LITERATURA E CINEMA

Eu não queria ser cineasta. Quando eu era jovem, minha ilusão era ser escritor. Como não havia a profissão de escritor, acabei me iludindo que dava segurança me ligar ao cinema. Comecei a escrever críticas. Mas a minha formação básica é literária. Eu sempre li muito, apaixonadamente, e ainda acho que vou virar escritor numa hora dessas. Faço cinema há mais de 60 anos. Só pode ser uma paixão ou um trauma, desde que peguei a primeira câmera. Estudei cinema no começo dos anos 1950, na França. Mas em Moçambique, onde nasci, já filmava em 8mm - não em Super 8, que ainda não existia. É uma droga, um vício que tem me acompanhado toda a vida. 

PERNAMBUCO 

Sou sempre carinhosamente bem recebido aqui. Vários cineastas pernambucanos tiveram a chance de participar e ver uma filmagem quando fiz Kuarup, no Recife, 1988. Embora seja uma marca pequena, eles dão uma importância grande e eu me sinto muito confortável de ter uma presença, digamos, quase que decisiva para alguns na escolha da profissão. Muitos estão sempre lembrando disso porque sabem que me dá prazer. São muito generosos comigo. Como há uma certa diferença de idade entre nós, isso acentua o carinho de uma geração para outra geração. Kuarup foi um filme que me marcou, tive uma ligação com o governado Miguel Arraes, que foi muito generoso. 

CINEMA PERNBAMBUCANO 

Nesta retomada, que já vem há alguns anos - começou com Baile Perfumado - , eu acho que aqui no Reicife, visto de fora, me parece que houve um apoio consequente à produção, o que fez desabrochar essa geração. Espero que esse apoio aumente para que todas as gerações possam criar filmes, no futuro. Há uma ou outra obra no Rio e em São Paulo, mas há um vazio. A força do cinema pernambucano é de fato o que marcou esses últimos anos do cinema brasileiro. Por causa do meu filme, estive meio isolado e vi poucos. Até Sangue Azul, o filme de Lirio Ferreira em que sou ator, ainda não vi. Estou um pouco defasado, mas agora vou me atualizar e me ligar aos filmes outra vez.

CINEMA BRASILEIRO 

Há uns 10 anos disse numa conferência de imprensa em Gramado uma coisa que ninguém quis publicar porque acham que eu já estou débil mental e tem pena de mim. Quando me perguntam o que eu acho do cinema brasileiro ninguém publica. É o que vou dizer para você agora: hoje, o cinema brasileiro é melhor que o cinema americano. Porque, tirando as concessões de ordem técnica e de orçamento, que fazem os grandes produtos, o cinema americano não tem nada a ver com a cultura americana, nem os seus problemas são representados pelos filmes. Só sobram as hecatombes, os super-heróis, os alienígenas, os efeitos especiais e o espetáculo. Mas não só é esta a função do cinema: é mostrar seu próprio rosto, sua sociedade e sua cultura. Isso acontece raramente, só com alguns independentes marginais, que fazem um trajetória de subdesenvolvido na própria América para fazer algum filme interessante. Enquanto que no cinema brasileiro - tirando algumas comédias - há uma grande quantidade de filmes ligados à nossa cultura e ao retrato das paisagens humanas do País. Então, eu acho que o cinema brasileiro é melhor que o cinema americano.

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