CINEMA

Terror, alegoria política e realidade na terceira noite do Festival de Brasília

Mostra Competitivas apresenta credenciais que melhoram a cada dia

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 18/09/2015 às 1:39
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Três filmes poderosos abrilhantaram a noite desta quinta-feira (18/9) do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Com o Cine Brasília lotado, os curtas Tarântula, de Aly Muritiba e Marja Calafange, e Rapsódia para um Homem Negro, de Gabriel Martins, e o longa Fome, de Cristiano Burlan, não deixaram dúvidas quanto a boa seleção do festival em seus dois primeiros dias de competição.

Com um direção precisa e controlada, sempre apoiada em planos estáticos, a dupla Aly Muritiba e Marja Calafange não perde as rédeas do filme em nenhum momento. Tarântula é daqueles filmes que, paulatinamente, conquista o espectador pelo ritmo da montagem e do desenho dos seus personagens. Trata-se de um filme de terror que subverte vários normas do gênero. 

A trama gira em torna de uma família que mora num casarão. De fora, ele parece normal. Por dentro, três mulheres - uma mãe e duas filhas - bastante religiosas tropeçam em obstáculos de toda ordem, da perda ao abandono, da razão à loucura.

Uma das filhas, a mais nova, perdeu uma perna. A cena em que ela sobe uma escada dá o tom do filme. A outra irmã, mais velha, conta histórias de ninar tenebrosas para a menina. A mãe, alterna um pouca da atenção às filhas com a vinda fortuita de um amante. A não aceitação de certa ordem vai resultar num acerto de contas surpreendente.

Rapsódia de um Homem Negro, do mineiro Gabriel Martins, também é um filme que reivindica, cobra e dá um troco, por mais alegórico que seja, às feridas não cicatrizadas da raça negra brasileira. A partir de uma estrutura muito livre, mas que se mostra crível, acompanhamos a reação do músico Odé à morte de Luiz, seu irmão velho, durante conflito em uma ocupação em Belo Horizonte.

Com um pé na ancestralidade africana e outro no confronto, Gabriel Martins faz de Odé um justiceiro que executa os responsáveis por um projeto imobiliário. Recriação, alegoria, vingança - muitas definições podem ser aplicadas a este filme complexo e brilhantememte realizado.

Fome, do paulista Cristiano Burlan, foi uma grata surpresa. Filmado em preto e branco - líndissimo, diga-se - e com atores não profissionais, esperava-se que o Fome fosse mais um longa-metragem daqueles que entram nos festivais como uma espécie de contrapeso. Mas o filme, sem deixar de se encaixar na seara experimental, é uma experiência cinematográfica completa.

Basicamente, Fome acompanha os passos de um sem-teto, vivido pelo crítico e professor - e agora, ator - Jean-Claude Bernadet, pelas ruas de São Pualo. Talvez este seja seu melhor momento, até agora, como ator. Sem qualquer traço de pieguice ou de vitimização, o sem-teto espanta pela altivez e respeito com que lida com sua situação. Com uma câmera lânguida e incisiva a seguir o persoangem, o espectador também embarca nessa odisseia pelas ruas de São Paulo, seja dia ou seja noite. Com vários incidentes, principalmente com pessoas que querem lhe ajudar ou amigos da rua, o filme tem ritmo e nunca entedia.

Um dos melhores momentos, embora seja mais reconhecido por entendidos, mostra o encontro do sem-teto com um suposto ex-aluno. Na conversa entre os dois, Jean-Claude tem sua persona pública desmacarada quando o ex-aluno, o crítico Francis Vogner dos Reis, faz uma verdadeira DR entre mestre e discípulo. Rico em sentidos, Fome é um filme com base no real, mas que alça voos como uma obra totalmente livre de amarras.

O repórter viajou a convite da organização do Festival de Brasília.

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