ENTREVISTA

Cineasta Laís Bodanzky fala sobre o premiado Como Nossos Pais

Ela vem ao Recife na sexta, dia 1º/9, para conversar com a público, durante sessão debate no Cinema da Fundação/Museu, em Casa Forte

Ernesto Barros
Cadastrado por
Ernesto Barros
Publicado em 29/08/2017 às 5:36
Priscila Prade/Divulgação
Ela vem ao Recife na sexta, dia 1º/9, para conversar com a público, durante sessão debate no Cinema da Fundação/Museu, em Casa Forte - FOTO: Priscila Prade/Divulgação
Leitura:

Grande vencedor do Festival de Gramado 2017, o drama familiar Como Nossos Pais ficou com seis troféus Kikitos, inclusive o de Melhor Filme e o de Melhor Direção, para a cineasta paulista Laís Bodanzky, 47 anos. Depois de fazer sucesso na Europa – no Festival de Berlim e na França –, Como Nossos Pais, uma referência à clássica canção de Belchior, estreia nesta quinta-feira (31) em circuito nacional. Em maratona para o lançamento do filme, Laís vem ao Recife, onde foi duas vezes premiada no Cine PE – por Bicho de Sete Cabeças, em 2001, e por As Melhores Coisas do Mundo, em 2010 – para uma sessão debate na próxima sexta-feira (1º/9), às 20h, no Cinema da Fundação/Museu, em Casa Forte. Ela conversou por telefone com o repórter Ernesto Barros.

JORNAL DO COMMERCIO – Rosa vê a vida tomando um rumo que não ela aceita, justamente no meio de um tiroteio com as filhas pequenas, a mãe e o marido, que não a ajuda com tarefas do dia a dia. Você conhece outras Rosas iguais à sua, interpretada por Maria Ribeiro?
LAÍS BODANZKY – Eu conheço. E acho que você também.

JC – É mesmo?
LAÍS – E não precisa andar muito, ela está bem pertinho de você. É no trabalho, dentro de sua casa ou na casa vizinha.

JC – Você sempre faz pesquisas para construir seus personagens. Como foi o processo com Como Nosso Pais?
LAÍS – Eu todos os filmes, e neste não foi diferente, eu pesquisei bastante. A diferença é que, dessa vez, a pesquisa estava mais ao meu alcance. Quando fui fazer Bicho de Sete Cabeças, sobre o universo da loucura, era um universo que eu desconhecia totalmente. Agora, o universo da Rosa, da mulher contemporânea, eu faço parte. Eu sou a pesquisa. Nesse sentido, foi mais simples entender e compreender os dramas da protagonista.

JC – Mas ainda assim você conversou com outras mulheres?
LAÍS – Sim, eu fiz uma pesquisa de fato e tive várias conversas, mas ela não foi tão formal quanto as anteriores. A pesquisa estava ao alcance do meu dia a dia, bastava ir numa reunião e observar como uma mulher se comporta e os homens agem que, opa!, abria a cadernetinha e anotava. Foi mais uma observação do cotidiano, com muita leitura na internet, em blogs, em grupos de whatsapp, no Facebook. Eu estava em estado de alerta e fui guardando muitas coisas. Conversei com Maria Rita Kehl, uma psicanalista que eu considero muito, que fez uma palestra sobre feminismo decisiva para a minha abordagem. Foi por causa dessa conversa que decidi adotar o texto de Casa de Bonecas no filme, até hoje a peça mais feminista já escrita. Eu tinha a consciência da importância da peça de Ibsen e o quanto ela é atual. Eu imaginei que a protagonista do filme tinha que ler essa peça e a partir dela encontrar a sua verdade.

REAÇÃO DAS MULHERES

JC – Como Nossos Pais vem se juntar a uma série de filmes brasileiros que mostram as mulheres reagindo contra o machismo e situações constrangedoras. O que está acontecendo? Parece que as mulheres estão se mobilizando em todas as direções.
LAÍS – Não é uma coincidência esses filmes todos, até porque leva um tempo para elaborar as coisas. Mas quando um tema é relevante, é urgente, a arte toma essa informação na frente. Tanto com Que Horas Ela Volta?, da Anna Muylaert, e com Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, a gente fala de coisas semelhantes e os personagens se encontram. Eu acho que a personagem da Sonia é amiga da personagem da Clarice Abujamra, tenho quase certeza que elas se encontraram em algum momento.

JC – Na relação de Maria com o marido, Dado (Paulo Vilhena), ela reclama da falta de companheirismo e da pouca presença dele no dia a dia. O filme é uma crítica severa contra esse comportamento. Você testemunhou essas cobranças?
Laís – Sim, é que tudo mudou. Essa questão da mulher ficar escondida dentro de casa, com gente dizendo que ela deve tomar conta da casa, da família, dos filhos não existe mais. Essa mulher está desaparecendo, ela não aceita ficar à margem da sociedade. De fato, ela já saiu de casa e foi trabalhar. Só que, agora, além de ter acumulado papeis, ela ainda vive um imaginário antigo. Mesmo trabalhando e fora de casa, a mulher ainda é tratada como a recatada do lar, inocente, infantilizada. Por isso, acham que as mulheres não percebem que eles têm um forma de se comportar em que acham natural trair, não tirar o prato da mesa, entre outras ajudas. Uma piada, né? O marido de Rosa é todo engajado e mesmo assim ela tem essa opressão invisível, mesmo num lugar que a gente jamais imaginaria existir, mas existe. A gente tem medo de apontar o dedo. Imagina, aquele cara bacana, engajado, vai ser machista? Essa mulher contemporânea resolveu dar nome aos bois. Na sessões que assisti, a reação dos homens não é de negação, mas de reconhecer algo que eles não estavam percebendo que era assim. Até agora, não vi homens reclamando “da chatice das mulheres”, esse discurso, mas de que estamos juntos e vamos redefinir as regras do jogo.

JC – Como Nosso Pais é uma canção que atravessa gerações. Como ela entrou na sua vida?
LAÍS – A sensação que eu tenho é que eu já nasci com ela dentro de mim. É uma música que está tocando sempre no rádio. Ela não pertence apenas à geração de Clarice, mas a todas as outras que vieram depois. Antes do roteiro ser escrito eu já tinha esse título inspirado na música de Belchior. É importante dizer que a letra não funciona como uma legenda. É muito mais o título como uma provocação para eu me lembrar das coisas que eu queria falar. Algum tempo depois, eu tentei mudar o titulo e não consegui, de tão chave que é!

MARIA RIBEIRO

JC – Quando você estava escrevendo o roteiro, Maria Ribeiro já era sua escolha para Rosa?
LAÍS – Não dá para, exatamente, dizer que eu escrevi para ela porque eu já tinha feitos uns tratamentos antes da entrada dela. Mas era ela que eu queria desde sempre, sem dúvida nenhuma. Nunca me passou outra atriz na minha cabeça. Cheguei a fazer leituras com outras atrizes, mas tinha certeza que eu queria Maria, pelo jeito dela, pela forma dela ver o mundo e se comportar.

JC – Seus filmes tratam sempre de pessoas reais, adolescentes com problemas com os pais, homens e mulheres em luta com suas diferenças. O que lhe interesse nesse universo do dia a dia?
LAÍS – Eu adoro retratar o cotidiano, seja lá com qualquer tema. É nas entrelinhas do cotidiano que a gente nota a complexidade das coisas. É no cotidiano que temos várias personas. Como se, durante um dia, pudéssemos ser várias pessoas, principalmente a mulher, quando ela desempenha e quer ser perfeita em cada papel que se propõe. Eu acho que meu cinema é uma crônica, no sentindo que estou dando um depoimento sobre o cotidiano.

JC – Como você chegou a Jorge Mautner, que faz o pai de Rosa?
LAÍS – Foi durante a pesquisa, sempre antenada com o que via. Até que vi um trecho do documentário de Pedro Bial sobre ele. Eu achei o trecho em que ele conversa com a filha, Amora, lindo, duro, mas com muito amor. O Mautner representa a geração dos anos 1960 e 1970, que viveu com muita liberdade. Ele emprestou muito da forma de ele ver o mundo para o personagem. Embora ele não seja o personagem, as frases são do Mautner, que ele falou espontaneamente.

Últimas notícias