Animação

Curta 'Fazenda Rosa' traz a poesia de Erasto no ritmo do stop-motion

Inspirado na obra de Erasto Vasconcelos, curta-metragem em stop-motion da pernambucana Chia Beloto será lançado hoje na Mostra Competitiva do Animage.

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JC Online

Publicado em 28/11/2017 às 13:24 | Atualizado em 08/11/2023 às 12:27
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Ao som da flauta de Erasto Vasconcelos, amanhece o dia num lugar chamado Fazenda Rosa. Assim começa o curta-metragem em stop-motion de mesmo nome, baseado na obra do cantor, compositor e arranjador olindense, falecido no dia 27 de outubro de 2016. Hoje, um ano, um mês e um dia depois de sua morte, o famoso "Guia de Olinda" parece renascer como a natureza que ele tanto observou. É que sua voz serve de base narrativa para a bonita projeção em animação dirigida pela pernambucana Chia Beloto, que estreia às 16h dentro da programação do Animage - Festival Internacional de Animação de Pernambuco, em sessão na Caixa Cultural Recife.

De acordo com a realizadora, o curta é inspirado na paisagem sonora recitada pelo músico em Pio Tagarela – Brincadeira dos Pássaros, o primeiro dos três poemas que integra o seu disco de poesias, intitulado também de Fazenda Rosa, e lançado em 2010 pelo selo 3 ETs Records. Junto aos poemas Cantigas de Roda e Nau Catarineta, o áudio original da obra - gravado como uma coisa só - chega a ter mais de 50 minutos. "Foi uma decupagem bastante difícil, já que as três partes do material são belíssimas. Precisávamos decupar apenas oito minutos de áudio para o curta proposto. Então, pincelamos o que havia de mais narrativo e contemplativo", explicou Beloto sobre a escolha de Pio Tagarela, poema no qual Erasto evoca a fauna e a flora de sua Fazenda Rosa.

"A família inteira / uma mesa pra pensar / as estrelas que iluminam a terra / o canto do baião / o canto do mar / e dos passarinhos / o canto do ar / o canto do Sertão / contemplar", diz um trecho do poema-canção, numa justaposição de palavras que leva o ouvinte a imaginar todos os mínimos detalhes dessa tal Fazenda, descrita com minúcia por Erasto. Assim como sua produção é chamada de paisagem sonora, não é à toa que a sinopse do curta se refere ao artista como um "poeta da percepção da vida, das coisas que nos rodeiam".

Teaser Fazenda Rosa from Produções Ordinária on Vimeo.

Primeira animação em curta-metragem da Produções Ordinária, Fazenda Rosa foi produzido inteiramente com recortes de material editorial, como livros e revistas. Estilo artístico chamado de paper cut-out. "A exceção vai para um cavalo, que foi impresso em homenagem a Eadweard Muybridge, fotógrafo inglês inventor do 'zoopraxiscópio', que é uma espécie de gif à moda antiga", afirmou Beloto. Os retalhos e recortes imperfeitos que compõem o visual do curta, inclusive, lembram bastante o de um livro artesanal que utiliza técnicas do movimento cartonero, assim como um que Erasto havia feito nos anos 1970, o Cantigas de Roda. O que não foi necessariamente uma inspiração, segundo a diretora.

Voltando à primeira cena, que se trata de uma simulação de um time-lapse do amanhecer na Fazenda, segundo Beloto, foram necessários metros de cenário e mais de mil frames. "Foi certamente a cena mais difícil. Stop-motion é uma técnica lenta, trabalhada frame a frame. É preciso ter paciência e dedicação", declarou a diretora, enfatizando que a produção levou, do primeiro ao último clique do curta, aproximadamente nove meses. "Um parto", brincou. Além de a técnica ser bastante trabalhosa, há o porém de que a equipe também era bem reduzida. "Éramos seis. Três só para pesquisar, recortar, organizar o material, montar cenários, definir movimentos e, finalmente, fotografar. O restante era responsável pelo desenho de som e trilha sonora, montagem e finalização".

Ainda conforme Beloto, Erasto era um grande amigo, não só seu, como de todos da sua equipe. "Estávamos no primeiro semestre do extinto curso de cinema de animação da Aeso quando Erasto nos procurou para realizar o clipe da música O Baile Betinha, em 2011", contou. Depois desse projeto, a equipe foi se envolvendo com o artista, que pôde acompanhar de perto a produção do curta até o dia em que sofreu uma parada cardíaca e deixou essa vida. Mas deixou também uma memória. E ela segue viva na fogueira da Fazenda Rosa.

"Pernambucaneidade"

A "pernambucaneidade" que Fazenda Rosa tanto ecoa através dos bichos do mangue, dos peixes do rio, das árvores e suas frutas, do que se planta para comer e das cantigas de roda acaba ficando isolada em meio ao festival em que se insere. Dos 88 curta-metragens de 28 países que concorrem este ano na Mostra Competitiva do Animage, apenas o curta de Chia é pernambucano. "Sabendo da existência de outras produções locais de qualidade, ficamos bem surpresos com isso. Ainda existe um grande desafio na conquista do espaço", declarou Beloto.

Produzido com incentivo do Funcultura, Fazenda Rosa está sendo legendado em inglês e francês para poder participar de festivais internacionais de cinema e animação. Além do circuito tradicional, o curta também será distribuído para escolas, bibliotecas e televisões públicas do Estado.

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