Crítica

'Maria Madalena' tenta recontar a história bíblica com outra visão

'Maria Madalena', apesar da tentativa de subverter, acaba por trazer uma narrativa maçante e morna

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 15/03/2018 às 8:48
Foto: Universal Pictures/Divulgação
'Maria Madalena', apesar da tentativa de subverter, acaba por trazer uma narrativa maçante e morna - FOTO: Foto: Universal Pictures/Divulgação
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Maria Madalena é uma das personagens bíblicas que mais despertam um desejo narrativo. Da falsa prostituição atribuída a discípula chegando até mesmo a teorias da conspiração que a colocam em uma relação amorosa que gerou filhos com Jesus Cristo, contada em O Código Da Vinci, de Dan Brown e adaptado para o cinema. O debate sobre os papéis de gênero no mundo atual reacendem esse desejo de contar a história de uma mulher que esteve tão perto da fundação da fé dominante no mundo ocidental e o que implica ser mulher neste contexto.

É o que Garth Davis tenta fazer em Maria Madalena (com estreia nesta quinta), mas acaba trazendo um mosaico de contemplação das passagens bíblicas tantas vezes já contadas, mesmo que tente empregar um certo prisma diferenciado a esses momentos. Alguns fragmentos até conseguem carregar uma boa carga dramática, mas nada que faça da trama uma poderosa narrativa. Principalmente quando sua protagonista é, em boa parte do projeto, apenas uma privilegiada espectadora de uma das histórias mais conhecidas do mundo.

Tudo começa com a jovem Maria, vivida por Rooney Mara, levando sua vida na cidade de Magdala (o "Madalena" é por ela ser originária desse local, não um sobrenome), dividindo sua rotina entre afazeres e a prática de sua fé. Ela chega a entrar em conflito com sua família por “praticar a fé em um lugar de homens e correr por aí como uma lunática” (conflito aliás parece algo pouco recorrente na vida dela durante o filme). As coisas mudam quando Jesus Cristo (Joaquin Phoenix) e seus discípulos aparecem para pregar na região. As palavras do homem arrebatam a espiritualidade da mulher, que acaba se tornando uma de suas mais próximas discípulas.

Garth Davis aparenta estar em um dilema ao narrar essa jornada, pois parece haver um desejo de compor Madalena com uma mulher de voz ativa, que pode acabar por alterar algumas visões estabelecidas da história bíblica, ao mesmo tempo que tenta se conter para evitar ultrapassar algum tipo de limite que poderia gerar grandes polêmicas acerca de sua obra. Essa indecisão empaca o ritmo e resulta numa passividade maçante em sua condução, com potenciais dramas que não conseguem sair da superficialidade.

Apenas a presença da protagonista naquele círculo já é uma grande fonte para conflitos, mas o fraco roteiro não consegue explorar isso. Para ser justo, a rebeldia de Madalena até aparece e rende momentos no início e fim do filme. O trama morna ainda é refletida na fotografia e nos figurinos, com tons claros e neutros, que também transmitem a humildade de seus personagens.

Se a linha narrativa não é conduzida com fluidez e não consegue envolver, pelo menos é pontuada com algumas boas passagens aqui e ali. A reencenação da Santa Ceia, com uma composição mais minimalista e humilde, é uma dessas. Ainda há a ida de Jesus ao templo em Jerusalém, testemunhando a deturpação da essência do local, é construída com uma energia crescente, em que a montagem e a expressividade de Joaquin Phoenix explodem em um dos momentos mais altos do filme.

Aliás, Phoenix traz um dos Jesus mais humanos já interpretados, se permitindo mostrar sorrisos e raiva com naturalidade. O trabalho do ator é o mais forte da obra, o que diz muito sobre um filme chamado Maria Madalena e sobre Rooney Mara, que parece confundir serenidade com inexpressividade. Faltou um pouco mais de coragem para a produção, além de inspiração narrativa, fazendo de Maria Madalena um filme a passar batido neste ano.

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