Desenho animado

Série de animação 'O Além da Lenda' leva seres folclóricos para o divã

A série parte do ponto de como as lendas, esquecidas pelas crianças em meio a um mundo ultra tecnológico e urbanizado, enxergam os seres humanos

JC Online
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Publicado em 07/05/2018 às 11:44
Foto: Divulgação/Viu Cine
A série parte do ponto de como as lendas, esquecidas pelas crianças em meio a um mundo ultra tecnológico e urbanizado, enxergam os seres humanos - FOTO: Foto: Divulgação/Viu Cine
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A Comadre Fulozinha já não assusta mais. Seus longos e cheios cabelos negros estão cada vez mais curtos e escassos, como as matas que ela costumava proteger dos caçadores. O boto cor-de-rosa? Perdeu o encanto, desaprendeu a conquistar. Seu olhar sedutor dificilmente se encontra com o de potenciais pretendentes, todas previamente enfeitiçadas pelas telas dos seus próprios celulares. Em meio a um mundo ultra tecnológico e urbanizado, o elo com as tradições está sendo desfeito. E os seres do folclore brasileiro, caindo no esquecimento. Sem razão para viver, eles entram em colapso. Vão parar no divã.

É nesse contexto que se passa a série de animação pernambucana O Além da Lenda, produzida pela Viu Cine, que está sendo transmitida de segunda a sexta-feira, às 11h, dentro da programação Brasil Animado da TV Brasil. Criado por Erickson Marinho, Marcos França e Ulisses Brandão, o desenho, voltado para crianças de seis a nove anos, tem como premissa resgatar as particularidades das principais lendas nacionais, dando uma nova roupagem para elas, de forma que possam ficar mais divertidas e atrativas para os pequenos da nova geração, sempre conectados. “Queríamos fugir daquela forma tradicional de abordar as nossas lendas, sempre com um ar mais didático. Não é que a série não possua didatismo, há, mas é algo que está diluído em meio à diversão, digamos assim”, explica Ulisses, que também é roteirista da animação, e produtor-executivo, ao lado de Gustavo Correia.

Com isso em mente, a equipe criativa apostou em apresentar as lendas num contexto mais humanizado e moderno. Tanto que elas aparecem se consultando com um terapeuta, o doutor L.H., e fazendo uso de celulares e outros aparelhos tecnológicos. O melhor amigo da Comadre Fulozinha, por exemplo, é um drone futurista. “A série parte do ponto de como as lendas veem os seres humanos e não o contrário. Esse foi o nosso primeiro recorte e é daí que vem o título da produção, ‘O Além’ do que a gente conhece”, afirma Ulisses, que roteirizou a série junto a Erickson Marinho e Bruno Antônio. Essa inversão do ponto de vista narrativo consiste sobretudo em explorar a crise existencial dessas entidades, pondo suas aflições em primeiro plano e explorando seus dilemas diante de situações contemporâneas. Entre eles, a falta de credibilidade perante as crianças e a subsequente possibilidade do desaparecimento.

O JC teve acesso a dois dos 13 episódios da temporada, cada um com sete minutos de duração. O piloto é centralizado na Comadre Fulozinha. Já o seguinte, no Curupira. Segundo Ulisses, a série se mantém nessa estrutura até o final, levando informações e aventuras sobre uma lenda diferente a cada episódio. “Fomos bem democráticos na escolha dos personagens. Há lendas indígenas, africanas e europeias. O tripé base da formação brasileira. Escolhemos histórias dos quatro cantos do País, com exceção do Centro-Oeste, porque são bem mais pesadas”, declara. Fora os seres já mencionados neste texto, fazem parte do enredo figuras como o Papa Figo, a Iara, o Boitatá, a Cuca, o Chibamba e a Cabra Cabriola (que é o Bicho Papão). Ainda que as histórias tenham sido construídas de forma independente, como se dá numa antologia, elas não deixam de se comunicarem entre si, contando com diversos easter eggs.

Apesar de as lendas serem comumente associadas ao medo, a ideia da série não é ser um terror em si, mas usar essa temática assombrada para fazer uma espécie de comédia leve, como é feito no desenho Gravity Falls, sucesso de audiência nos canais Disney Channel/XD. “Tentamos brincar com situações voltadas para o público infantil, mas de forma que elas não fiquem de fora da realidade de um adulto, que os pais possam se divertir assistindo”, afirma Ulisses, ao comentar que as piadas visuais criadas por Alex Hirsch serviram de inspiração, assim como a forma que ele construiu os personagens de Gravity Falls. “A série de terror, fantasia e ficção científica Além da Imaginação, dos anos 1980, também foi bastante citada nas nossas conversas sobre os roteiros”, acrescenta.

Essa pegada dark que envolve o conceito original de lenda não fica restrita ao script. Por mais que tenha passado por reformulações, é parte fundamental no desenvolvimento do design de personagens e cenários. O que se reflete na paleta de cores dessaturada escolhida pela diretora de arte Marília Feldhues, assim como na estética com pontas arredondadas. “A poltrona do terapeuta, por exemplo, é bem comprida e forma algumas pontas, o que deixa a estética mais puxada para o terror, mas as pontas são todas suavizadas, virando umas curvas mais sinuosas, na verdade”, explica Marília, corroborando para a questão de que existe uma linha tênue entre causar medo ou riso nas pessoas.

Viabilizada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) através de edital, a animação contou com um orçamento de R$ 477 mil, destinados à produção de episódios com duração de cinco minutos. “Sou muito grato pelo que conseguimos, mas o valor era pouco para o que tínhamos de material. Foram feitos dois minutos a mais por episódio porque a gente quis e se dispôs, porque a equipe estava muito apaixonada pelo projeto”, conta. Após ter sido entregue no primeiro semestre de 2017, a série fez um circuito entre TVs públicas do País, tendo sido selecionada para integrar a grade da TV Brasil, onde está sendo transmitida desde 2 de abril. A partir de outubro, deverá passar na TV Globo Nordeste, nas manhãs de sábado.

Atrás de financiamento para a segunda temporada, os criadores negociam agora a inserção da primeira leva de episódios no catálogo da Looke, conhecida como a Netflix brasileira, e estudam a possibilidade de levar o trabalho também para dentro das escolas, a começar pelas instituições do Grande Recife. “A nossa expectativa é de conseguir até o fim deste ano os recursos para começar a próxima temporada. Nela, queremos fazer o dobro de episódios, que são 26, mas sem lançar novas lendas, só aprofundando as da primeira mesmo, colocando-as em outras situações, fora do divã”, comenta Ulisses. O Além da Lenda conta com produção de Jaqueline Brandão. A direção é de Alisson Ricardo e Marcos França.

UNIVERSO EXPANDIDO

Levando em conta que as crianças de hoje estão muito mais presentes na internet do que na TV, O Além da Lenda contará com um universo expandido que será lançado ainda neste ano com site e aplicativo. A ideia desse projeto, intitulado 360 graus, é de que a série desperte o interesse das crianças e que elas acessem as plataformas online para obter mais informações e curiosidades sobre o folclore brasileiro. O campo dos livros e filmes também será explorado, com histórias fechadas e complementares. “O livro é uma aventura e levará os leitores ao site por meio de QR code. Ele deverá ser lançado em agosto para aproveitar o mês do folclore, assim como o aplicativo, que terá jogos e, a depender da logística, poderá dar acesso a alguns episódios”, esclarece Ulisses.

O longa-metragem, também produzido pela Viu Cine, começará a ser animado em novembro. Ele será focado na Comadre Fulozinha, que tem como braço-direito o Curupira. “O filme deve estar sendo finalizado em 2019 e entrando no circuito comercial em 2020, se tudo der certo, quando já contarmos com a segunda temporada”, afirma o produtor-executivo, declarando já ter ideia para, pelo menos, dois spin-offs. Um deles seria sobre Cabra Cabriola e Chibamba, que são uma espécie de Timão e Pumba, cujo script está pronto. “Como temos uma gama boa de personagens, conseguimos ter por conseguinte uma boa gama de conteúdo dentro do universo”, conclui Ulisses. Para o roteiro sair do papel, falta a verba.

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