CRÍTICA

Filme 'Marvin' aborda a reinvenção dos traumas como arte

A obra da diretora francesa Anne Fontaine faz parte do Festival Varilux de Cinema Francês

JC Online
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Publicado em 17/06/2018 às 8:01
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A obra da diretora francesa Anne Fontaine faz parte do Festival Varilux de Cinema Francês - FOTO: Divulgação
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Ser homossexual, explica um professor em uma palestra, é viver uma experiência radical de exílio. Quando alguém que sofre com racismo, por exemplo, e enfrenta o preconceito na rua ou na escola, costuma voltar depois para o ambiente familiar, onde normalmente isso não acontece. Uma criança gay, no entanto, muitas vezes continua dentro de um mundo que a reprime e ataca: está ainda ocultando uma parte de si que sequer entende completamente.

O filme Marvin, exibido hoje no Cinépolis Guararapes dentro da programação do Festival Varilux de Cinema Francês, é um duro relato de um exílio como esse. A obra de Anne Fontaine (Coco Antes de Chanel, Amor sem Pecado) conta a história de um garoto pobre, vivido por Jules Porier. Sua família, com um pai beberrão, um irmão mais velho violento, uma mãe sufocada e um irmão mais novo, é uma continuação da inospitalidade que sente no colégio, onde é xingado e quase sofre abusos físicos e sexuais. Ao mesmo tempo, a narrativa mostra Marvin (Finnegan Oldfield) no presente, um jovem autor e dramaturgo, procurando o seu lugar em um mundo – bem mais aberto – que só descobriu mais tarde.

O espectador acompanha esses dois momentos alternados, que mostram os momentos das feridas e, depois, as cicatrizes resultantes. Por incentivo de uma diretora, ele terminou entrando na aula de teatro do colégio e se afeiçoando às artes cênicas. Mesmo no meio teatral, no entanto, Marvin continua se sentindo deslocado. Ao tentar recriar sua vida como uma narrativa própria, vai lidando com o que sofreu e reconstruindo-se como arte.

Fontaine faz de Marvin um drama com momentos pesados, em que a solidão do personagem principal é angustiante. É a sua forma de fazer ver essa asfixia de quem não pode sequer descobrir quem é porque não há oportunidade para isso. O garoto só sabe que há algo de diferente do padrão nele justamente porque os outros maldosamente notam isso.

Mais velho, ele fala de sua infância. Apesar de existirem momentos felizes, é das angústias que ele lembra: “O sofrimento é como um farol sobre você, à noite. Faz desaparecer tudo”. Sem condescendência ou falsos perdões, Marvin também faz pensar como os contextos e preconceitos são mais cruéis do que as pessoas que os promovem. Os seres humanos não são inocentes, mas estão mergulhados nas contradições de suas vidas reais e trágicas.

Os atores que vivem Marvin na infância e na juventude são contidos, formando um personagem com poucas expressões. A atriz Isabelle Huppert aparece interpretando a si mesma, em uma boa surpresa do filme. Por fim, Marvin é uma obra sobre como o passado é uma etapa essencial da reconstrução de uma pessoa, mesmo que ele seja recheado de traumas.

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