CINEMA

2001: uma odisseia que o cinema não esquece

Obra-prima de Stanley Kubrick completa 50 anos e tem sua história contada em livro

Ernesto Barros
Cadastrado por
Ernesto Barros
Publicado em 01/07/2018 às 11:43
Warner Bros/Bros
Obra-prima de Stanley Kubrick completa 50 anos e tem sua história contada em livro - FOTO: Warner Bros/Bros
Leitura:

Poucos filmes na história do cinema foram tão esmiuçados, debatidos e louvados quanto a ficção científica 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, que completa 50 anos de existência em 2018. A obra definitiva sobre o filme, um calhamaço que beira 500 páginas, acaba de ganhar uma edição brasileira na esteira da efeméride. 2001: Uma Odisseia no Espaço – Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a Criação de uma Obra-Prima, escrita pelo jornalista americano Michael Benson, é aquele tipo de livro que responde a tudo o que você gostaria de saber sobre o filme e não tinha a quem perguntar.

Desde maio que o longa-metragem vem ganhando uma série de homenagens, iniciada por uma exibição especial em 70mm, no Festival de Cannes, quando foi apresentado pelo cineasta inglês Christopher Nolan. O cineasta de Dunkirk, um adepto do formato largo, por acaso foi chamado por um executivo da Warner Bros. para dar uma olhada nos negativos em película do filme. Nolan estava cuidando da restauração dos próprios filmes, no mesmo estúdio contratado pela Warner para remasterizar 2001, que está em cartaz nos Estados Unidos em alguns cinemas.

A surpresa dele foi grande quando botou os olhos nas cópias de 70mm, que estavam guardadas há mais de 20 anos. Nolan propôs a volta às telas do filme na versão que Stanley Kubrick realizou originalmente em 1968, garantindo às novas cópias a mesma cor de antes, ou seja, uma versão “unrestored” (sem restauração digital, apenas com a manipulação fotoquímica da película original). É essa a cópia que foi exibida em Cannes e está circulando em alguns cinemas europeus e americanos, com a projeção apropriada nos poucos cinemas que ainda têm equipamento de 70mm.

O Brasil não tem esse tipo projetor desde meados dos anos 1980. Aqui no Recife, o Cinema Veneza era o único equipado. A última exibição em 70mm foi a do filme O Retorno de Jedi, em 1983. Como 2001 foi lançado dois anos antes da inauguração do Veneza – com a exibição de Aeroporto, em cópia 70mm – , o filme sempre foi exibido em Cinemascope em vários cinemas do Recife nestes 50 anos. Ainda hoje, 2001 causa estranheza quando visto pelo primeira vez. Os marinheiros de primeira viagem ficam atônitos, sem saber o que os atingiu na sala escura do cinema (ou na sala de estar ou do quarto, tanto faz agora).

Jornalista especializado em ciências e um repórter de primeira, Michael Benson vasculhou os arquivos pessoais de Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke; outras fontes primárias até então inéditas (como entrevistas brutas de revistas especializadas) e entrevistas com membros da equipe de 2001 que ainda estão trabalhando, como o especialista em efeitos especiais Douglas Trumbull. Como não foi impossível entrevistar Kubrick – morto aos 70 anos, em 1997 –, Benson conversou várias horas com Christiane Kubrick, a viúva do cineasta. Sobre Clarke, além do seu vasto arquivo, o jornalista consultou material de alguns colaboradores do escritor, que viveram com ele no Sri Lanka (antigo Ceilão), onde morou de 1956 até a sua morte, aos 90 anos, em 2008.

Benson conta que assistiu a 2001: Uma Odisseia no Espaço em 1968, aos seis anos, em Washington (onde vivia com a família) ou em Nova York, para onde frequentemente viajava com o pai. Desde a infância fascinado pelo filme, o jornalista mostra que tem muita intimidade com o seu objeto de afeição. Com acesso a uma tonelada de informações, 2001: Uma Odisseia no Espaço – Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a Criação de uma Obra-Prima é de leitura fácil e prazerosa, mas demorada. Praticamente, Benson não deixou nada de fora do que fora escrito antes sobre o filme, além de que trouxe detalhes até agora não encontrados em nenhuma outra fonte.

Com uma apurado faro de repórter e historiador, Benson refaz passo a passo as fases de realização do 2001: Uma Odisseia no Espaço, a partir do ponto zero, quando Stanley Kubrick, logo após o sucesso de Dr. Fantástico, em 1964, manteve uma conversa com o assessor de imprensa e vice-presidente de suas duas produtoras, Roger Karas, sobre o seu próximo filme. Na época, Kubrick achava que as pessoas iriam rir da ideia dele: “Eu quero fazer um filme sobre ETs”, disse para Karas. A partir de uma pesquisa exaustiva sobre o assunto, em livros e revistas, Kubrick acabou chegando a Clarke, principalmente por causa dos contos do livro A Sentinela.

Até a pré-produção do filme, entre a primavera de 1964 e o verão de 1965, o escritor e o cineasta se encontraram pessoalmente várias vezes e não pararam de se comunicar, até a feitura do roteiro, uma peça inédita, que anos depois seria transformado em livro e que Clarke dedicaria a Kubrick. “Talvez a pessoa mais inteligente que conheci”, disse o escritor. Como uma “esponja”, o cineasta quando se debruçava sobre um assunto se transformava no maior especialista do tema. “Era um observador voraz de qualquer pessoa que dominasse um assunto que ele não dominava. Por isso, era divertido ensinar coisas a ele, pois ninguém era capaz de ouvir com tanta atenção”, recorda Christiane Kubrick.

A cada fase do filme, Benson cerca o leitor de detalhes primorosos. Durante uma visita ao set de filmagens, na Inglaterra, o diretor do programa Apolo 1, George Mueller, disse que estava na Nasa Leste. Desde o início da produção de 2001, Stanley Kubrick estava decidido a fazer o filme definitivo sobre a aventura humana na terra, dos primórdios dos primeiros seres humanos a um novo homem, vindo do futuro. Embora não seja crítico de cinema, Michael Benson não se furta a criar sua visão pessoal sobre filme. Para ele, 2001 é uma nova versão de A Odisseia, de Homero – a segunda, depois do Ulysses, de James Joyce. “Filme no qual as ilhas do Sudeste do Mediterrâneo se transformaram em planetas e ilhas do sistema solar, e o mar de cor de vinho se transformou no vácuo do espaço interplanetário, interestelar e até intergaláctico”, escreve.

Benson vai ainda mais longe ao comparar os deuses da antiguidade como uma super raça alienígena, nunca vista, mas que intervêm nos destinos humanos por meio de um instrumento de seu poder, um monólito negro retangular, que aparece pela primeira vez entre os macacos da Aurora do Homem, quando faz pegarem em armas para sobreviver. A transição entre a idade da pedra e o futuro, quando um osso é jogado no ar e em seguida vemos a nave Discovery no espaço, ganhou a reputação de ser o corte mais extraordinário da história do cinema. Além do monólito negro, outra personagem que entrou na psique do cinéfilos de todo o mundo é o computador Hal 9000, que se torna uma ameaça aos astronautas Dave Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood).

Ainda hoje, 50 anos depois de feito, 2001: Uma Odisseia no Espaço fascina a plateia com as ousadias de Stanley Kubrick. Numa época em que os filmes de ficção científica eram vistos com desdém, o cineasta criou uma espécie de ano zero para o gênero. Além de todo o trabalho de produzir, escrever e dirigir, Kubrick desenhou e executou cerca de 200 efeitos especiais, algo sem precedentes na era pré-digital. A importância do filme só tem crescido com o passar dos anos. Em 2012, na famosa pesquisa da British Film Institut, publicado na revista Sight & Sound, 2001: Uma Odisseia no Espaço ficou em 6º lugar entre os 50 Melhores Filmes de Todos os Tempo, na opinião de críticos e jornalistas. Na votação dos diretores, o filme ficou em 2º lugar.

Serviço:

2001: Uma Odisseia no Espaço - Stanley Kubrick, Stanley Clarke e a Criação de uma Obra-Prima, de Michael Benson (Editora Todavia, 496 páginas, R$ 49,50).

Últimas notícias