CINEMA

A face cruel da internet em debate no Festival de Brasília

Longa mineiro polemiza com tentativa de suicídio em filme aplaudido pelo público

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 19/09/2018 às 14:27
Júnior Aragão/Divulgação
Longa mineiro polemiza com tentativa de suicídio em filme aplaudido pelo público - FOTO: Júnior Aragão/Divulgação
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Uma das mais abjetas faces da internet – especialmente dentro da modalidade que permite a troca de mensagens pessoais entre grupos – vem se tornando a cada dia mais exposta no cinema. O longa-metragem mineiro Luna, de Cris Azzi, apresentado na noite de segunda-feira (17/9) na Mostra Competitiva da categoria no Festival de Brasília, junta-se a outras obras que mostraram histórias semelhantes e de final trágico, como o brasileiro Ferrugem, de Aly Muritiba, que recentemente venceu o Festival de Gramado, e a série 13 Reasons Why, da Netflix, sobre o suicídio na adolescência.

Apesar das semelhanças, o cineasta mineiro, diretor do documentário Sumidouro e de um episódio do filme coletivo 5 Frações de uma Quase História, tenta subverter o tema a partir de um subterfúgio que, mesmo ludibriando as expectativas dos espectadores, permite que a visão do problema ganhe outros contornos. No final da exibição do longa, o filme foi muito aplaudido, principalmente porque a personagem-vítima do filme, que teve um vídeo íntimo exposto na escola onde estuda, consegue uma espécie de volta por cima, ao contrapor a atitude machista de um colega.

Durante o debate na manhã de ontem, o diretor foi questionado sobre a cena em que a estudante Luana (Eduarda Fernandes) tenta o suicídio ao ingerir vários comprimidos, motivada pela vergonha da situação. Após a overdose, a personagem surge correndo por uma floresta e come uma gosma vermelha que sai das árvores, com a sequência toda preparada mais para um impacto visual e menos sobre a dor que o medicamento provocaria. “Durante a pesquisa, os médicos me disseram que um possível efeito da overdose é o delírio, por isso que optei assim. Foi a minha maneira de falar sobre o suicídio, uma ideia que não se podia falar até bem pouco, mas hoje a gente vê que muitas pessoas se matam”, defendeu-se o diretor.

Entretanto, Cris Azzi certamente não escolheu um caminho fácil para a sua estreia solo na direção. Sem dúvida, ele tem seus desafios para chegar em busca de uma certa verdade dos personagens, embora também faças concessões ou exponha um às escondido debaixo da manga. Luna não tem um ponto de partida fácil, já que a nítida ausência de roteiro – no que tange à escritura dos diálogos – foi deixada exclusivamente para as duas personagens do filme, as alunas Luana (Eduarda Fernandes) e Emília (Ana Clara Ligeiro), que se tornam amigas quando a última começa a frequentar a mesma escola.

Assim, a dinâmica da relação das meninas, a partir de interesses comuns e admiração mútua, que leva até um leve interesse amoroso entre elas, se desenvolve vagarosamente, como se Cris Azzi e o diretor de fotografia Luís Abramo criassem um universo particular para suas personagens. A ideia funciona por algum tempo, porque depois as cenas ficam excessivamente artísticas, como se qualquer situação fosse uma desculpa para uma elaborada construção visual e sensorial. Até mesmo uma conversa entre elas, num chat pelo computador, acaba terminando numa performance em que elas mostram os seios. É essa imagem, sem nenhuma apelo sexual, que um amigo de Luana vai disseminar entre os colegas.

Apesar desses problemas, Luna, assim como Ferrugem, não dois exemplos de filmes que podem levar à discussões importantes sobre o suicídio na adolescência, especialmente quando expõem os indivíduos do sexo masculino. Cris Azzi não é nem um pouco didático, mas seu filme presta-se a isso. Embora a catarse que ele prepara para o espectador não seja das mais honestas, o recurso é perdoado pelos fins que deseja atingir.

CURTA-METRAGEM

O curta paulista Mesmo com Tanta Agonia, de Alice Andrade Drummond, também colocou o universo feminino em cena. A rigor, o filme quase não tem uma história, mas quatro sequências que conectam emocionalmente. Maria (Maria Leite), que trabalha num restaurante, conclui o trabalho deixado pelo chef e depois sai com uma colega (Preta Ferreira) para pegar o metrô e ir para o aniversário da filha. A partir de elipses bem marcadas, o curta traz a festa da filha, numa limusine que circula pela Av. Paulista, e depois a volta para a casa de mãe e filha, quando Maria vem dirigindo.

Apesar de desconexas, a excelente fotografia de Anna Santos, a dinâmica montagem de Bruna Carvalho Leite (nas cenas de rua) e a direção de atores de Alice Andrade Drummond dão ao filme um vigor surpreendente. Além disso, a trilha sonora recheada de canções pop dos anos 1980 e 1990 ( entre elas a clássica Woman, de Nenneh Cherry), garantem ainda mais as ideias da diretora, que resultaram num filme de beleza visual e sonora eminentemente feminina.

O repórter viajou a convite da organização do festival.

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