CINEMA

Tensão política une filmes no Festival de Brasília

O pernambucano Bloqueio foi filmado durante a paralisação dos caminhoneiros, em maio passado

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 20/09/2018 às 17:07
Júnior Aragão/Divulgação
O pernambucano Bloqueio foi filmado durante a paralisação dos caminhoneiros, em maio passado - FOTO: Júnior Aragão/Divulgação
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Dia sim, dia não, a pauta política reinvindica seu espaço nas principais mostras do 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Na noite da última terça-feira, o Cine Brasília ficou mais uma vez lotado durante a apresentação dos filmes da Mostras Competitivas de Curtas e Longas-Metragens, que trouxeram o corpo a corpo da política por meio de duas produções: o curta mineiro-pernambucano Conte Isso Àqueles que Dizem que Fomos Derrotados e o longa pernambucano Bloqueio.

Além do tema da urgência política em comum, os dois filmes foram realizados coletivamente e com recursos próprios. A casadinha da apresentação deles não poderia ser mais oportuna, com as discussões em tornos de suas imagens e ações reverberando da noite anterior até o debate com os realizadores na manhã de ontem. O título do curta Conte Isso Àqueles que Dizem que Fomos Derrotados, segundo o pernambucano Pedro Maia de Brito, foi retirado de um poema do palestino Najwan Darwish. Além de Pedro, o filme leva as assinaturas dos mineiros Aiano Bemfica, Camila Bastos e Cristiano Araújo, todos ligados ao Movimento de Luta nos Barros, Vilas e Favelas.

A proposta do filme é simples, mas bastante significativa. A equipe reuniu imagens de três invasões em Belo Horizonte, realizadas ao longa de vários anos, que ganham vida como uma ação integrada dos membros do MLB. Como um grupo de combate, no meio da noite, eles seguem por trilhas e demarcam a área de invasão com bandeiras do movimento, enquanto se esgueiram ou se escondem dos carros da polícia que passam bem próximos deles. “Tentamos criar um filme em que prevalecesse o pragmatismo das imagens e suas possibilidades estéticas”, explicou o cineasta pernambucano.

BLOQUEIO

O clamor da população por melhores condições de vida é a mola propulsora de Bloqueio, realizado pelo francês Quentin Delaroche e a brasileira Victória Álvares, a mesma dupla do longa Camocim, atualmente em cartaz nos cinemas do Recife. Bloqueio respira urgência em todas as imagens. As filmagens aconteceram no sétimo dia da paralisação dos caminhoneiros nas estradas brasileiras, em maio passado. Durante três dias, Quentin e Victória acompanharam um bloqueio na BR-116, em Seropédica, no estado do Rio de Janeiro.

Em tom observacional, o filme se assemelha a uma antena que capta, sem censura, a míriade de vozes dos caminhoneiros, numa cacofonia de conceitos políticos que tem deixado a intelligentsia brasileira sem ação. No meio do caos, caminhoneiros de vários estados disparam suas ideias sobre a situação do país e seu futuro político, demonstrando uma completa aversão aos governantes atuais. Outros, mais exaltados, clamam por intervenção militar, enquanto alguns se agarram nas palavras de pastores evangélicos, entoando louvores e hinos nacionalistas.

 “Nós não estávamos lá para julgá-los, mas para ouvi-los, num exercício de empatia. Esse bloqueio era apenas um, entre os 300 que estavam acontecendo”, respondeu Victória a uma questão levantada por um jornalista, a cerca da imparcialidade da dupla. “Nossa proposta era ouvir as questões. Tentamos deixar no filme todas as contradições do movimento.”

Embora não tenha data para estrear no circuito comercial, Bloqueio dever seguir o resto do ano com sessões em festivais de cinema. Dada à sua potência para o debate, justamente no meio da campanha política em curso, o filme já é em si um objeto de estudo. Talvez aterrador por mostrar uma classe trabalhadora abandonada, sem acesso à informação e direitos básicos, totalmente mergulhada em ideias extremistas. Em alguns momentos, Bloqueio parece um filme de terror, com uma multidão de zumbis que perderam a capacidade de distinguir entre o certo e o errado.

O repórter viajou a convite da organização do festival.

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