CINEMA

Bernardo Bertolucci, um grande poeta do cinema

O cineasta italiano deixa um grande legado para as futuras gerações de cinéfilos de todo o mundo

Ernesto Barros
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Ernesto Barros
Publicado em 27/11/2018 às 5:40
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O cineasta italiano deixa um grande legado para as futuras gerações de cinéfilos de todo o mundo - FOTO: AFP/Divulgação
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O cineasta italiano Bernardo Bertolucci era filho de um poeta e crítico de cinema. Ele publicou um livro de poesia aos 19 anos, mas foi roubado pelo cinema antes de completar 20, quando foi ser assistente do cineasta Pier Paolo Pasolini no filme Acattone – Desajuste Social, em 1961. Apesar de a literatura ter perdido Bertolucci, o cinema ganhou um poeta das imagens em movimento, um dos maiores estilistas visuais da história da Sétima Arte. Com a sua morte nesta segunda-feira (26/22) – aos 77 anos, em Roma, de câncer, segundo alguns jornais –, o cinema ficou mais pobre, mas desde sempre rico com o legado que deixou para as gerações futuras de cinéfilos de todo o mundo.

Há cerca de uma década Bertolucci enfrentava sérios problemas de coluna, que o levaram a se locomover de cadeira de rodas. Foi nessas condições que ele dirigiu Eu e Você, seu último filme. Assim como em quase todos seus 16 longas, esse também era um conto sobre os anos verdes e as dificuldades de crescer e agir. Analisando sua filmografia, não é errado afirmar que Bertolucci foi o cineasta da juventude – com as histórias de jovens do século XX, a começar por ele mesmo, que chegou ao cinema como uma voz que iria revolucioná-lo, na esteira dos movimentos e cineastas surgidos na década de 1960, como o francês Jean-Luc Godard e o brasileiro Glauber Rocha.

Este ano, seu nome voltou à tona com o crescimento do movimento #MeToo durante as acusações de agressão sexual e estupro ao produtor Harvey Weinstein. Quando a atriz Jessica Chastain publicou no Twitter que Maria Schneider, a atriz de Último Tango em Paris, havia sido estuprada por Marlon Brando, na polêmica cena de sodomia envolvendo manteiga, Bertolucci sofreu uma série de condenações, até que veio a público contar sua versão. A diretora Catherine Breillat, que atuou ao lado de Maria Schneider no filme, também saiu em defesa do cineasta. “Foi ficção, eu estava lá”, declarou durante uma entrevista.

Ousado, polêmico e censurado – inicialmente na Itália e em vários outros países, como o Brasil, que viva sob uma forte censura, cortesia da Ditadura Militar –, Último Tango em Paris fez o nome de Bernardo Bertolucci. Quem já o assistiu notou que o escândalo encobriu a profunda dor que o personagem de Marlon Brando carrega por quase todo o filme, que ganha ares mais leves quando entrecortado pelos encontros com a jovem interpretada por Maria.

Sucesso de público no mundo inteiro, Último Tango em Paris abriu as portas para Bertolucci investir em filmes com preocupações políticas. Ligado ao Partido Comunista Italiano, ele já havia feito um forte ataque à sociedade italiana em O Conformista, ao eleger como personagem principal do filme um homem que, durante o Fascismo, aproveitou-se da situação, chegando até a matar um homem que havia sido seu professor. Assim, com todos os holofotes jogados sobre si, Bertolucci realizou seu filme mais ambicioso politicamente: 1900, um afresco de 5h20min sobre as mudanças politicas da Itália desde o início do século, a partir da história de dois amigos de infância que tomam posições contrárias quando chegaram à vida adulta, nesta época interpretados por Gérard Depardieu e Robert De Niro.

Até 2003, quando realizou Os Sonhadores, um belíssimo acerto de contas com a década de 1960 e todos os seus sonhos de revolução e liberdade, Bertolucci teve uma carreira muito produtiva, que o colocava sempre entre os principais cineastas do mundo. Durante toda sua carreira, que compreende mais de meio século de cinema, seus sucesso foram retumbantes, como os nove Oscars de O Último Imperador, em 1988, e sua parceria com Vittorio Storaro, o diretor de fotografia de seus principais filmes.
Seu estilo visual, marcado por cores intensas, com forte influência da pintura, e sua movimentação de câmera complexa, influenciaram gerações de cineastas, de Francis Ford Coppola a Paul Schrader, para citar apenas dois cineastas americanos que não cansam de endeusá-lo.

Para os cineastas brasileiros, que travaram contato com Bernardo desde a década de 1970 – em Roma, onde muitos estudaram, como Paulo Cesar Saraceni, e nos festivais de cinema –, a relação sempre foi muito presente. Durante muitos anos, foi amigo íntimo de Glauber Rocha.

Na Itália, a repercussão de sua morte foi estampada nas versões online dos grandes jornais do País, com declarações de atores, atrizes, cineastas e políticos. “Meu último imperador foi embora”, comentou entre lágrimas Stefania Sandrelli, que atuou em O Conformista. "Sua morte é também um pouco a nossa", disse o cineasta Marco Bellocchio, um companheiro de geração.

FILMOGRAFIA

2012 – Eu e Você
Bertolucci pensou fazer o filme em 3D, mas não encontrou condições técnicas adequadas. É uma terna história sobre inadequação: adolescente diz à familia que vai esquiar nas montanhas, mas fica trancado num porão do prédio onde mora, até que se torna amigo de uma menina drogada.

2003 – Os Sonhadores
Nesta adaptação do romance de Gilbert Adair, Bertolucci presta contas com a juventude da década de 1960, numa ode ao cinema e à paixão, no romance entre um jovem americano e um casal de irmãos franceses.

1998 – Assédio
Bertolucci e Clare Peploe, sua companheira por 40 anos, adaptaram juntos a história de James Ladun, sobre uma africana que vai para Roma, após a prisão do marido por motivos políticos, e inicia uma trabalho como empregada doméstica. Seu patrão, um pianista, se apaixona por ela.

1996 – Beleza Roubada
Um dos filmes mais belos do cineasta. Conta o amadurecimento sexual de uma adolescente americana (Liv Tyler) que sai à procura do suposto pai durante as férias na Toscana. A trilha sonora é formada por canções clássicas, jazz, soul e o melhor do pop dos anos 1990.

1994 – O Pequeno Buda
Terceiro épico do cineasta, que não teve grande acolhida da crítica. Keanu Reeves faz Siddarta Gautama, o inventor do budismo, nesta história sobre uma menino que pode ser a encarnação de um mestre budista.

1991 – O Céu que Nos Protege
Bertolucci e o cunhado Mark Peploe adaptaram juntos a novela autobiográfica de Paul Bowles, sobre um casal americano que viaja para o Saara após o fim da Segunda Guerra Mundial.

1987 – O Último Imperador
Talvez o maior sucesso da carreira do cineasta, vencedor de nove Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. Conta a história de Pu-Yi, o Último Imperador da China, que terminou a vida como jardineiro do palácio da Cidade Proibida.

1981 – A Tragédia de um Homem Ridículo
Roteiro original de Bertolucci, que tenta mostrar a sociedade italiana numa de suas fases políticas mais difíceis, na história de um industrial que tem um filho sequestrado por motivações políticas.

1979 – La Luna
O mais complexo filme de Bertolucci, conta a história de um cantora de ópera (a americana Jill Clauburgh) e seu filho viciado em drogas, que ela tentar salvar. Na tentativa, eles iniciam um relação incestuosa.

1976 – 1900
Primeiro grande épico de Bertolucci. Com mais de 5 horas de duração, dividido em duas partes, o filme conta a história de dois amigos de infãncia, que se dividem politicamente, a partir do início do Século 20.

1972 – Último Tango em Paris
O filme que tornou o nome de Bertolucci conhecido em todo o mundo, considerado um escândalo em sua época e censurado no Brasil. Marlon Brando sofre pela morte da mulher, até encontrar Maria Scheneider, bem mais jovem do que ele, com quem manterá uma relação estritamente sexual.

1970 – A Estratégia da Aranha
Adaptação de um conto do argentino Jorge Luís Borges sobre o tema do traidor e do herói, a partir da história de um homem que investiga o passado do pai.

1970 – O Conformista
Para muitos, a maior obra-prima de Bertolucci, que adapta o conterrâneo Alberto Moravia. Passa-se durante a Itália fascista e conta como um homem, que se satisfaz com a ordem, torna-se vil ao se livrar de um homem que havia sido seu professor.

1968 – Partner
Um dos menos conhecidos filmes de Bertolucci, foi inspirado em Dostoiveski. Um estudantes politizado, porém recluso, recebe a visita de seu duplo, que o ajuda a se comprometer com as causas que defende.

1965 – Depois da Revolução
Com referências literárias e cinematográficas (de Stedhal a Visconti), Bertolucci fez um filme fascinante, a partir da história de uma homem que dá os primeiros passos na vida adulta.

1962 – A Morte
Primeiro filme de Bertolucci, que seria feito por seu mestre, o cineasta Pier Paolo Pasolini. O longa trata da morte de uma prostituta em Roma, seu inquérito e o cada diz cada uma de suas testemunhas.

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