Diversidade

12º Festival de Cinema de Triunfo celebrou força do audiovisual no interior

Evento realizado entre e 5 e 10 de agosto promoveu sessões, oficinas e debates

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 12/08/2019 às 15:31
Jan Ribeiro/ Secult PE - Fundarpe/Divulgação
Evento realizado entre e 5 e 10 de agosto promoveu sessões, oficinas e debates - FOTO: Jan Ribeiro/ Secult PE - Fundarpe/Divulgação
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“Meu nome é Teco (que significa Triunfo Encanta, Cativa, Orgulha-se) de Agamenon. Sou realizador, ator, artesão e não sou nada. Ou melhor, sou, antes de tudo, um atrevido. Um evento como esse, para gente feito eu, louca por cultura, é uma oportunidade muito boa de encontrar as pessoas, trocar ideias e, através do diálogo, buscar algum tipo de harmonia”. Falando com entusiasmo e, ao mesmo tempo, mansidão, uma das figuras mais emblemáticas da cena artística de Triunfo fala sobre seu amor pela arte – em suas múltiplas linguagens – e a empolgação que mantém a cada ano com o festival de cinema, que encerrou sua 12ª edição sábado (10), após exibir mais de 70 filmes.

Do teatro à poesia, passando pelas artes visuais e o cinema, Teco - nascido Agamenon Gonçalves Lima Filho – Teco já fez (e faz) de tudo um pouco. Sua paixão pela sétima arte é alimentada pela produção independente de filmes, como Ser Mais Que Cinza, obra que ele gastou o total de R$ 12 para produzir e com o qual ganhou o prêmio de Melhor Ator na sétima edição do Curta Taquary, em Taquaritinga do Norte, em 2014. Aos 62 anos, o multiartista participa do Festival de Cinema de Triunfo, realizado pelo Governo do Estado, desde a primeira edição. Este ano, foi visto nas telas do festival como ator de Solitude, curta-metragem do Coletivo Cinema do Interior, no qual também é roteirista.

Para Teco, o Festival de Cinema de Triunfo não se resume apenas às sessões no imponente Theatro Cinema Guarany, construído em 1922. Ele faz questão de participar das outras atividades do evento, como as rodas de conversa com os realizadores, que acontecem ao ar livre, na Praça da Academia das Cidade, e com profissionais de outras áreas, como nos diálogos promovidos pela Companhia Editora de Pernambuco, que montou tenda no festival para discutir assuntos ligados ao cinema, literatura e outras linguagens.

IMERSÃO

A paixão pelo audiovisual, vale ressaltar, atravessa gerações na cidade. Victor Douglas, 28, é formado em administração e hoje atua como condutor de turismo em Triunfo. Nesta edição, ele apresentou o curta Turismo Selvagem, do qual é um dos diretores, resultado de uma oficina do Cine Sesi realizada no ano passado. Ele conta que a consolidação de ações voltadas para o audiovisual na cidade são essenciais na formação técnica e de público.

“Quando o festival de cinema acontece, a atmosfera da cidade muda completamente, a sétima arte domina nossas ruas. As sessões voltadas para as escolas são sempre lotadas e ajudam na sensibilização das crianças, que são o público do futuro. Outra coisa que para mim é essencial é a possibilidade de nos vermos nas telas porque há sempre produções locais ou filmadas aqui, com gente nossa, como Teco. Dá uma sensação de pertencimento”, reflete.

Victor conta que seu desejo é produzir filmes que contem a histórias de Triunfo, sua cultura e moradores. Para isso, continua investindo na formação, sempre que ela aparece. Este ano, se matriculou pela segunda vez na oficina Documentando, facilitada pelo realizador e professor em projetos de iniciação em cinema Marlom Meirelles. Voltadas para a sensibilização dos alunos para o olhar documental, as aulas estimulam os alunos a desenvolverem um documentário, desde a escolha do tema à produção do filme. A 12ª edição do festival contou ainda com oficinas de crítica, cujos alunos integraram o júri popular do evento, e de atuação.

Este ano, Victor e os demais alunos optaram por contar as histórias das Veinhas, personagens do folclore local menos conhecidas, mas que também permeiam o imaginário cultural de Triunfo. Elas, inclusive, teriam surgido como um protesto de mulheres da cidade que não eram permitidas de se fantasiarem como os caretas. Por isso, criaram sua própria brincadeira com máscaras, mais irreverente, que se aproxima do povo, ao contrário das sisudas contrapartes masculinas.

Com pouco tempo, mas muito fôlego, para produzir, os alunos saíram pela cidade para filmar. A câmera, o equipamento de captação de som e a própria movimentação das filmagens, com três dos alunos fantasiados como Veinhas, chamavam a atenção de quem passava. Dentro do processo de produção do filme, eles ainda entrevistaram mulheres que costumavam brincar como a personagem. Uma delas foi a aposentada Miriam de Fátima, 65, natural da cidade.

“Brinquei da infância à adolescência. Era um tempo muito bom e tudo era muito simples. A gente só usava as roupas que tinha em casa, improvisava e saía mascarada. Ninguém podia falar para que não se descobrisse a identidade. Hoje, o pessoal investe mais, até compra roupa pra sair na rua”, lembrou.

Questionada sobre como se sentia podendo contar suas histórias para as câmeras, Miriam disse que sempre adorava a oportunidade de manter viva a sua memória e a da cidade. E, acima de tudo, o cinema é uma de suas maiores paixões – o que faz com que, sempre que pode, acompanhe a programação do festival.

“Sempre fui cinéfila, principalmente quando era mais nova. Perdi as contas de quantas vezes assisti à Ponte do Rio Kwai no Guarany. E ainda tinha os filmes de Tarzan, os seriados, que passavam antes das películas. O cinema era a melhor coisa do mundo. Às vezes, se a gente não tinha dinheiro para a sessão, a gente se reunia na lanchonete que tinha lá só para ficar conversando”, contou, esboçando um sorriso.

CORPOS VISÍVEIS

Resultado da oficina Documentando do ano passado, o curta Desyrrê retrata um pouco da vida da personagem-título, uma mulher trans e negra natural de Triunfo. Na sessão em que o filme foi exibido, Desyrrê, que tem 22 anos e atualmente mora em Serra Talhada, onde faz curso técnico de Radiologia, se vestiu como uma estrela de cinema, com um vestido longo preto, com fendas, decote e brilho. Com uma rotina atribulada, dividida entre o trabalho e estudos, Desyrrê, até então, não costumava ir às sessões do festival.

“Depois que surgiu a oportunidade do filme, estou aqui e já fui para vários festivais maravilhosos. Agora, para onde me chamarem, eu vou. Quando eu conheci todos (da equipe) não tive como recusar e, graças a Deus, melhorou o reconhecimento da cidade em relação à Desyrrê. Hoje, sou aceita”, afirmou.

Assim como a história da jovem triunfense, outros filmes exibidos no festival colocaram em evidência corpos historicamente invisibilizados. Foi o caso do impactante curta Negrum3, de Diego Paulino, uma espécie de documentário e ensaio sobre jovens negros de São Paulo, suas vivências e forças artísticas.

Outra sessão marcante do festival foi a em parceira com o Festival VerOuvindo, que exibiu filmes com ferramentas de acessibilidade comunicacional para pessoas com deficiência sensorial. Nela, estiveram presentes pessoas surdas, ensurdecidas e com baixa visão, que puderam fruir três curtas-metragens.

NO PRESENTE

Cidade de forte apelo turístico por suas belezas naturais e arquitetônicas, Triunfo está em sintonia com uma pulsante cena artística que floresce no sertão pernambucano, nas mais diferentes linguagens. A distância do Recife – pouco mais de 400 km – ainda impõe alguns entraves, como o encarecimento do aluguel e transporte de equipamentos para filmagens, por exemplo, mas não é um fator limitador para que a produção de audiovisual, por exemplo, cresça.

William Tenório, de Afogados da Ingazeira, idealizador da Mostra Pajeú de Cinema, afirmou em conversa na tenda da Cepe sobre a interiorização do cinema que as políticas públicas são essenciais a produção local. Ele explica que, com o Funcultura, é possível estimular projetos no Interior e, aos poucos, desenvolver uma cadeia produtiva.

“O movimento que essa produção cria é o de aproximar o que antes parecia longe. É a gente disputar a narrativa e contar nossas próprias histórias. Porque, historicamente, o cinema brasileiro sempre veio ao Sertão, só que geralmente essas narrativas eram produzidas por pessoas que não eram daqui, e a região era representada de duas formas: como arcaica ou mística, como se estivesse presa no século 19. Com a produção sertaneja contemporânea, há um desdobramento de olhares, uma quebra dessa imagem cristalizada. Você vai ver elementos contemporâneos, como celular e carro, com arcaicos, porque faz parte do processo histórico e não só aqui”, enfatizou.

· O jornalista viajou a convite do evento

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