A Serpente

'A Serpente" expande obra de Nelson Rodrigues no cinema

Longa do pernambucano Jura Capela está em cartaz no Cinema São Luiz

João Rêgo
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João Rêgo
Publicado em 23/08/2019 às 15:46
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Longa do pernambucano Jura Capela está em cartaz no Cinema São Luiz - FOTO: Divulgação
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Em 1948, o teórico Alexandre Astruc escreveu talvez o mais importante texto da história do cinema: Nascimento de uma nova vanguarda: a caméra-stylo. Mais do que um norte à produção artística, o conteúdo pontuava no campo teórico a desenvoltura do cinema como uma expressão rica em abstrações dentro de suas próprias estruturas e particularidades – tal como a literatura, o teatro ou a pintura na época. Não mais um simples registro documental, ou uma cópia da dramaturgia – uma linguagem própria e autoral, afinal.

Desde a sua motivação originária, A Serpente, longa do pernambucano Jura Capela, vai ao encontro de toda essa discussão. Adaptação da última peça de ninguém menos que Nelson Rodrigues, o filme é, a princípio, a apreensão cinematográfica – com todas suas particularidades –, de um texto teatral.

Em cartaz no Cinema São Luiz, o longa aborda as relações entre dois casais que dividem a mesma residência, as irmãs Guida e Lígia, e os maridos Paulo e Décio. A trama se desenvolve a partir da relação entre Guida e Lígia (ambas interpretadas por Lucélia Santos) – que tenta se suicidar após tentativas frustradas de ter relações com seu impotente marido, Décio. Acolhida pela sua irmã, Lígia termina cedendo aos flertes do seu cunhado, interpretado no filme por Matheus Nachtergaele. A tensão que acompanha a história reside nas possíveis ações do espírito vingativo de Guida, e numa cova cavada no lado de fora da casa.

DO PALCO PARA AS TELAS

O texto de Nelson é claro; em um ato, estabelece um jogo conciso de frustrações e conflitos que circundam a classe média carioca. Jura Capela, por sua vez, não se basta à adaptação fiel. Seus esforços, como dito antes, são direcionados a uma captura cinematográfica da obra, mesmo que estruturas teatrais pautem o controle das cenas.

A elevação, os ápices dramáticos, no entanto, residem em manifestações particulares do cinema. Estão no zoom-out, o foco que muda a configuração da cena, a disposição dos personagens, as elipses nas movimentações de câmera e, sobretudo, a fotografia em preto e branco. A dramaticidade por vezes exacerbada do texto original contrasta com uma mise-en-scène pautada por uma iluminação que brinca com o melancólico, com o suspense. Até por isso, as locações escolhidas reforçam isso com um tom de isolamento e afastamento da cidade (o longa foi filmado em Mariana, logo após a tragédia de 2015).

Na centralidade disso tudo, entre a reinvenção cinematográfica do texto, e a devoção à obra de Nelson, está Lucélia. Conhecida pela sua relação e trabalhos ao lado de Nelson, a atriz volta ao cinema da melhor forma possível. Não se trata de uma presença cristalizada pelo seu passado, sua atuação e presença vão além, trazendo uma dimensão ainda mais complexa e intuitiva para o texto.

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