Para criar um registro histórico e traçar um panorama do humor no Brasil, a atriz Ingrid Guimarães idealizou a série documental Viver do Riso. Sucesso no canal fechado Viva, ela ganha uma nova versão na TV Globo, que vai ao ar em cinco episódios, começando nesta segunda-feira (1/4) e indo até a próxima sexta (5), logo após o Jornal da Globo.
Reeditado e com novas imagens de arquivo, o programa mostra a participação das mulheres no gênero, discute os limites do humor, lembra as duplas mais marcantes e homenageia o mestre Chico Anysio, que tem um dos cinco episódios totalmente dedicado a ele. A série tem supervisão artística de Marcius Melhem e Daniela Ocampo e direção de Tatiana Issa, Guto Barra e Raphael Alvarez. Confira uma entrevista com a atriz.
Qual o seu objetivo ao criar o Viver do Riso?
INGRID GUIMARÃES - Somos um país sem memória e não apenas no que diz respeito ao humor. Quero que esse registro fique em várias plataformas para que, daqui a 10 anos, se a minha filha precisar pesquisar sobre humor para um trabalho da faculdade, encontre esse material como facilidade. O Brasil é um país de comediantes natos. Um país que tem a capacidade de transformar a dificuldade em humor.
Que balanço você faz de Viver do Riso?
INGRID - É um projeto absolutamente pessoal, que veio de uma questão minha de, aos 45 anos e já tendo feito de tudo, refletir sobre como vou envelhecer nessa profissão. A maneira como a comédia era tratada, sendo vista como gênero fácil, sempre me incomodou. Muitas pessoas têm esse olhar sobre a comédia, como se ela fosse o primo pobre da arte, como se fosse um gênero fácil, como se fazer chorar tivesse mais credibilidade. Essa questão sempre me intrigou. A gente, que vive disso há muitos anos, sabe o quanto fazer rir é difícil. É preciso manter o humor sempre fresco. Eu fiz uma peça durante 11 anos e algumas piadas, depois de cinco anos, não funcionavam mais. Por outro lado, você pode continuar com uma peça dramática igual a vida toda. Para envelhecer no humor é preciso manter o frescor, a novidade, acompanhar o que está acontecendo na internet, é um grande desafio.
Pode falar um pouco sobre cada episódio que será mostrado pela Globo?
INGRID - Estreamos com uma linda homenagem a Chico Anysio. Todas as 90 pessoas que eu entrevistei citam o Chico Anysio como a maior unanimidade do humor. Como ele não estava mais entre nós, fiz uma entrevista muito bacana com o Bruno Mazzeo, seu filho, que eu choro toda vez que assisto. Esse episódio é de uma emoção enorme. Em seguida, temos um episódio muito rico sobre as duplas de humor, um clássico da comédia. Nosso humor foi muito contado por muitas dessas duplas. A maior delas foi Oscarito e Grande Otelo, mas temos muitas outras: Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães, Marisa Orth e Miguel Falabella, Andréa Beltrão e Fernanda Torres, eu e Heloisa Perissé. O terceiro episódio, sobre as mulheres no humor, está lindo. É o meu preferido. O mais legal é observar que as próprias mulheres não percebiam o quanto nós vivíamos em um mundo tão machista. O humor era um universo machista. E é bacana ver como os homens reconhecem isso no programa e não fariam esse tipo de cena machista hoje. O episódio sobre limites no humor também traz discussões muito interessantes. No encerramento, falamos sobre como envelhecer no humor e prestamos uma justa homenagem ao Jô Soares. E assim como ele há outros, como Renato Aragão e o Dedé, que continuam na ativa, sempre com novos projetos.
Você cita o episódio das mulheres no humor como o seu preferido. Tem um pouco da sua história lá também?
INGRID - Comecei a prestar muita atenção na questão mulher. Sou atriz de uma geração de transição. Passei pela fase em que a mulher comediante ainda era coadjuvante, época em que os programas de comédia eram feitos só por homens. Meus ídolos eram Jô Soares, Chico Anysio e Os Trapalhões. Não tínhamos referências de mulheres no humor. Como isso sempre me incomodou, fiz a minha própria história. Criei o Cócegas com a Heloisa Perissé, uma peça super contemporânea; fiz o De Pernas pro Ar, um dos primeiros filmes em que a mulher comediante era a protagonista e fala de prazer e sexo; participei e estava presente em várias mudanças no humor. Por que as comediantes mais velhas não são reverenciadas como as grandes atrizes dramáticas? A função maior dessa série é fazer uma homenagem aos grandes comediantes. Como não existe uma escola de humor, a gente só é o que é porque alguém veio na nossa frente. Só consegui fazer De Pernas pro Ar, Cócegas e Leandra Borges porque um dia a Dercy Gonçalves veio, falou um tanto de palavrão, colocou o pé na porta e foi protagonista em uma época dominada pelos homens. Assim como a TV Pirata abriu portas para mim, e depois eu abri portas para a Tatá Werneck e para a Dani Calabresa. Hoje as comediantes são protagonistas de campanhas publicitárias. Quando eu comecei, esse espaço era das mocinhas de novela. Fomos conquistando espaços, assim como a mulher foi conquistando espaço na sociedade.
Além de apresentar e conduzir as entrevistas, você também participa dando o seu depoimento. Como foi esse processo?
INGRID - Essa não era a ideia inicial mas, no meio do projeto, a diretora Tatiana Issa me disse que ia mudar tudo: “Você vai dar o seu depoimento também”. Eu falei que não ia, que era coisa ego trip. Sou muito jovem para fazer qualquer análise. Mas ela disse que eu tinha muita propriedade sobre o assunto, foi na minha casa, colocou uma luz bem baixa na minha sala, conversamos durante quatro horas e ela gravou tudo. E, realmente, eu me toquei que tenho 25 anos de humor e fui revendo a minha trajetória. Não queria que fosse um programa sobre mim, mas que eu fosse um canal para homenagear as pessoas. Quando comecei a falar, fiquei muito emocionada.