CRÍTICA

A geografia urbana nas memórias de Ronaldo

Estive lá fora resgata através do relato impactante da vida de Cirilo o clima tenso da ditadura pernambucana

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 09/09/2012 às 6:04
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“A dor é uma mercadoria comum nas esquinas do Recife”. Estive lá fora é um livro sobre a relação entre um personagem e uma cidade, entre o contexto e a memória, em parte como o processo a que Adonias passa em Galileia. É novamente um relato impactante de Ronaldo Correia de Brito, deste vez numa ambientação sufocante e angustiante da urbanidade, ainda mais pesada porque revivida nos termos do regime militar brasileiro.

O livro começa com Cirilo pensando no suicídio em frente a uma ponte, uma amostra do clima narrativo que o vai seguir durante toda a história. Aqui, o tempo histórico e a geografia são construídos não por fatos amorfos ou dados, mas sim pelo forte filtro do autoritarismo que permeou a ditadura. A cidade e sua casa são labirintos, termo perfeito para descrever os becos sem saída por que Cirilo circula.

O confronto de Estive lá fora, no entanto, não é simplesmente com opressão da ditadura brasileira, ainda que ela se faça presente nas intimações a Cirilo e nas prisões de seus colegas. O embate está também no olhar político de Geraldo (inspirado no militante Cândido Pinto), filiado ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, que também é retrato da barbárie do stanlinismo soviético – retratada no relato da história do autor russo Isaac Babel, morto pelo próprio regime que defendeu.

Cirilo prefere ser livre, em meio a influências da cultura hippie ou de religiões orientais – Ronaldo chega a dizer que ele faz das contradições uma forma de sobrevivência. Esse parece ser o sentido do romance, voltar ao passado para poder responder, por meio da literatura e ainda que revivendo toda essa angústia, os dualismos da época.

Um dos grandes momentos da obra é o encontro de Cirilo com Geraldo, espécie de oportunidade que Ronaldo cria para externar sua rejeição da visão política simplista do irmão. Termina como uma defesa nada fácil do papel da literatura nem tanto para a sociedade, mas para si mesmo. A reflexão se segue a quando Cirilo amaldiçoa o próprio pai por ter lhe ensinado o valor do trabalho e da honestidade. “Todo escritor precisa ser um bocado mentiroso e um pouco desonesto”, reclama o personagem. A conclusão é que a ficção precisa poder se falsear para dizer as verdades que busca.

Leia a matéria completa no Jornal do Commercio deste domingo (9/9)

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