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Assunto começa a ser tratado com consistência do Brasil

Em um país de cidadania manca, ascensão social pela fama deve ser estudada

Do JC Online
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Publicado em 16/12/2012 às 10:55
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Fabiana Moraes

No artigo De narcisismo, celebridades, celetóides e subcelebridades: o caso Tessália e sua personagem Twittess, escrito por Alex Primo, dois dados por ele utilizados desnudam aquilo o que talvez não gostaríamos de saber: o primeiro diz respeito a uma pesquisa realizada em 2006 pelos ingleses da Pew Research Center, mostrando que 51% dos jovens de 18-25 anos afirmaram que “ser famoso” é um dos objetivos de sua geração. Essa alternativa perdeu apenas para “ficar rico”, que alcançou 81% das respostas. Outra pesquisa, publicada no jornal Daily Mail, mostrou que 1.500 crianças com até dez anos acreditavam que ser uma celebridade é “a melhor coisa do mundo”, seguida por boa aparência e riqueza.


São informações que dizem um bocado sobre o poder da visibilidade midiática nos dias atuais, uma visibilidade que provocou a aparição de um novo sistema hierárquico entre nós: quanto mais sou visto, mais tenho prestígio. Neste sentido, dinheiro, talento e mesmo a beleza tão perseguida na sociedade local deixam de ser o “artigo” de maior valor para dar lugar a reprodução, não necessariamente em grande escala, de rostos. Eles nos entretêm na TV, jornais, no You Tube, Facebook, Twitter, Tumblr, Instagram. Eles nos inspiram ou nos horrorizam, não importa. O que importa é aparecer.

No Brasil, o tema vem se tornando cada vez mais frequente nas universidades, com vários pesquisadores estudando tanto as celebridades quanto o impulso social em tornar-se uma. Tais análises estão mais concentradas na área de comunicação, com jogadores de futebol, participantes de realitys shows e nomes da música pop como principais objetos de estudo (é o caso A mídia e a construção das celebridades: uma abordagem praxiológica, onde Paula Guimarães Simões faz uma ponte entre celebridades e filosofia; ou Cultura da mídia e celebridades midiáticas do contemporâneo: Madonna e Avril Lavigne, de João Osvaldo Matta). Outras áreas que surgem demonstrando interesse pelos midiáticos são a psicologia, o direito e a sociologia, a partir de onde são analisados fenômenos ligados a comportamentos de identificação, oposição e adesão; direito a privacidade/exposição; hierarquização, relações de poder e de consumo, etc.


Um dos primeiros a se interessar academicamente pelo tema foi Antônio Fausto Neto, que tomou Cazuza e Lauro Corona como pontos de partida para analisar as notícias a respeito da doença e da morte dos célebres (livro publicado em 1991). Já Muniz Sodré, outro nome bastante conhecido nos estudos de comunicação, também dedica-se ao estudo do tema: desde o início interessado na indústria cultural (como visto em A Comunicação do grotesco: introdução à cultura de massa no Brasil, 1983), ele publicou em 2004 Cidade dos artistas – cartografia da televisão e da fama do Rio de Janeiro, escrito em parceria com Raquel Paiva.


A pesquisadora está presente também no grupo de pesquisa Felicidade Assistida: A TV, os Especialistas e o Governo da Vida Privada, coordenado por João Freire Filho (ambos são professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro). No grupo, são analisados, por exemplo, como o telejornalismo e o entretenimento factual televisivo atuam na definição daquilo o que significa, no ambiente neoliberal, felicidade; que modelos de personalidade, formas de conduta individual, identidades e estilos de vida que são louvados ou vistos como problemáticos. Junto com Eduardo Granja Coutinho, os dois publicaram Do Real – o limite entre a vida privada na cobertura das revistas de celebridades (2004). Também da UFRJ, a antropóloga argentina Paula Sibilia lançou, pela Nova Fronteira, o livro O show do eu: a intimidade como espetáculo (2008), originado de seu doutorado. Um aspecto interessante abordado pela autora foi analisar como “cidadãos comuns” tornam-se rapidamente em famosos a partir da estrutura midiática hoje oferecida.


Neste aspecto, um dos olhares mais afiados e generosos com essa cultura da celebridade – ou cultura da visibilidade, outro termo possível – vem da análise dos professores Micael Herschmann e Carlos Alberto Messeder Pereira, autores do livro Mídia, memória e celebridades (2005, E-papers). Os dois conseguem alinhavar comunicação e sociologia no texto, sem apresentar um olhar moralista (como é bastante comum mesmo entre teóricos que estudam os “carismáticos midiáticos”, aqui nos apropriando em parte de um termo estudado por Max Weber). Webcelebridades e ex-BBBs podem ser pensados também dentro de um contexto nacional onde a cidadania é muitas vezes inacessível e quase negada – eles são uma das provas, aliás, de como ser visível pode atuar de maneira compensatória para muitos daqueles que permanecem à margem do palco principal da vida.
“Em países como o Brasil, marcados pelas desigualdades e exclusão social, a possibilidade de se tornar famoso (mesmo que de forma efêmera) representa, para as camadas menos privilegiadas da população, a obtenção, mesmo que temporária, da condição de cidadão”, escrevem.


Mais especificamente no área da sociologia, o britânico Chris Rojek teve seu livro Celebridade (Rocco) felizmente publicado no Brasil. Ampliando ainda mais aquilo o que Messeder e Herschmann apontaram, ele observa que, na era da informação, a invisibilidade é equivalente à morte. Segundo Rojek, a cultura da celebridade é um dos mecanismos mais importantes para mobilizar o desejo abstrato. Ele personifica o desejo num objeto animado, que admite níveis mais profundos de apego e identificação do que com mercadorias inanimadas (são, assim, objetos de consumo encarnados). “As celebridades podem ser reinventadas para renovar o desejo, e por causa disso elas são recursos extremamente eficazes na mobilização do desejo global. Em resumo, elas humanizam o desejo”. Finalmente, aqueles que desejam se aproximar historicamente do tema contam com outro livro além do de Fred Iglis: Vida, o filme, de Neal Gabler (Companhia das Letras). É uma boa análise ainda para entender, partindo basicamente da cultura norte-americana de fabricação de estrelas, como nosso cotidiano foi tornando-se, para nossa alegria e/ou desprazer, em um ambiente cada vez mais ficcional.

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