ENTREVISTA

Daniel Galera fala sobre Barba ensopada de sangue

O escritor paulista comenta as motivações do seu quarto romance, com traduções já vendidas para fora do País

Diogo Guedes
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Publicado em 14/01/2013 às 5:00
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O escritor paulista comenta as motivações do seu quarto romance, com traduções já vendidas para fora do País - FOTO: Divulgação
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O quarto romance do escritor paulista Daniel Galera, Barba ensopada de sangue, foi um dos mais esperados de 2012 – antes mesmo de chegar as livraria já tinha traduções negociadas, por exemplo. Em entrevista, ele fala sobre a trama da obra, que traz um jovem atleta se mudando para uma cidade de veraneio para entender as circunstâncias misteriosas da morte do avô.

JC – Parece haver uma oposição clara entre o personagem principal de Barba ensopada de sangue, o atleta, um homem de ação, e o irmão escritor, figura ausente, um homem de ideias, talvez. Nessa oposição há uma defesa de um romance de enredo em detrimento de um romance de ideia, de metaficção? Você chegou a pensar os personagens nesses termos?
DANIEL GALERA –
Eu não diria que se trata de uma defesa do romance de enredo em detrimento do romance metaficcional ou centrado na linguagem, mas é verdade que há uma certa brincadeira aí, pois o meu romance é mais focado no enredo e possui um protagonista totalmente alheio à literatura. Como o personagem do irmão do protagonista, Dante, foi desde o princípio concebido como um personagem ausente, ainda que importante para a história, achei que seria divertido que ele fosse justamente um escritor. Existe uma oposição entre os dois, sim, mas vejo isso como um detalhe e não como uma chave para se ler o livro como um todo.
De todo modo, sou da opinião que o romance de enredo possui uma relevância especial nos dias de hoje, em que uma parte do nosso apetite por narrativas migrou da literatura para outros meios e também para a narrativa fragmentada e emergente das redes sociais, em que a vida pessoal é matéria-prima direta de uma espécie de fabulação constante e interativa. Se o romance for competir com a televisão e a internet nos termos delas, provavelmente vai se dar mal. Mesmo o romance sobre literatura ou a metaficção têm sua função um pouco alterada pela consolidação da internet como espaço de discussão literária. O contraponto oferecido pelo romance de fôlego, focado no enredo, me parece particularmente relevante na nossa época.

JC – O seu livro se encaminha para uma redenção que, por fim, parece ser negada e desacreditada pelo personagem. Em que esse determinismo que não é cínico (“Ninguém escolhe nada e mesmo assim a responsabilidade é nossa”, diz o protagonista) termina por descrever esse personagem, um cara prático mas ao mesmo tempo cheio de sensações e sentimentos complexos? Há uma inspiração para a criação dele?
GALERA –
Desde o princípio do trabalho, eu queria que o romance explorasse de maneira implícita a questão filosófica da responsabilidade humana em uma visão de mundo determinista, segundo a qual tudo que acontece é apenas resultado inevitável do que aconteceu logo antes. É um assunto que me interessa. Mas eu não queria tratar disso de maneira demasiadamente explícita. No final, a discussão vêm à tona no diálogo do protagonista com a ex-namorada e para mim tudo está resumido nessa fala que foi destacada: “Ninguém escolhe nada e mesmo assim a responsabilidade é nossa.” Essa aparente contradição me parece conter uma verdade preciosa. O protagonista do romance é um veículo dessa perspectiva dentro da história do livro, mas assim como ele, eu não possuo uma resposta satisfatória para o dilema. Eu gosto da pergunta.

JC – Por que a opção por uma prosa direta, sem grandes firulas, ainda que não se abstenha de momentos de descrições bonitas ou significativas?
GALERA –
Minha intenção era que a história de desenrolasse de um ponto de vista colado à visão do protagonista, mas em terceira pessoa. Acho que esse recurso dá uma sensação interessante de ação acontecendo em tempo real. Foi uma escolha que me pareceu ter sintonia com a história, com o teor dos temas tratados, com a incapacidade do personagem de lembrar de rostos humanos e com o tipo de impressão estética que eu pretendia causar. Por isso a narrativa em terceira pessoa no tempo presente, e também o uso das notas de rodapé para acolher os poucos flashbacks, mensagens e pontos de vistas externos ao protagonista. E do meu ponto de vista, a prosa nem é tão direta assim. Tem umas firulas no livro.

JC – O personagem tem uma relação com a corrida e com o nado que é parte da sua vida também, entre outros dados que poderiam ser apontados como biográficos, em uma visão restritiva. É algo intencional colocar experiências e dados da própria vida em um personagem? Pensa que a mistura entre vida do autor e temáticas dos romances é uma obsessão da literatura contemporânea?
GALERA –
A mistura de vida do autor e temática dos romances não é uma obsessão da literatura contemporânea e sim uma obsessão do leitor contemporâneo (e da crítica, e da imprensa cultural, etc.). Na literatura isso sempre foi comum, é quase inevitável. Qualquer artista parte da experiência subjetiva e da sua visão de mundo particular para criar. Não há como ser diferente. Isso não é a mesma coisa que autobiografia ou autoficção, narrativas em que o vínculo da história com a realidade é assumido e enfatizado. Não é o caso do Barba ensopada de sangue. Meu romance tem vários pontos em comum com detalhes da minha experiência pessoal, desde a própria ambientação em Garopaba, onde vivi por um tempo, até a paixão do protagonista pela natação, mas o enredo e os personagens são em maior parte fictícios.

JC – A releitura do primeiro capítulo ao terminar o romance faz ele ganhar um novo sentido. É ele que dá um tom de lenda à história, contada em tom realista. Em que medida Barba ensopada de sangue é uma lenda transformada em uma narrativa realista? Você tem um interesse especial nesses dados fantásticos da realidade?
GALERA –
O que me interessava era investigar como uma vida prosaica e anônima pode se converter em mito ou lenda numa pequena comunidade. A isso, soma-se o tema da família e suas relações com a identidade pessoal. O avô do personagem se tornou um mito local e isso começa a acontecer também com o neto na medida em que ele procura investigar a verdadeira história do avô. A ideia era justamente essa, que a breve introdução do livro pudesse ser compreendida de outra maneira após o fim da leitura, comentando essa espécie de transmissão do mito em uma narrativa que não tem nada de mitológico no seu decorrer, até pelo contrário.

JC - Barba ensopada de sangue é um romance que já foi publicado com uma grande expectativa, em parte culpa de um capítulo ter saído na Granta. O livro foi negociado para fora do País mesmo antes de ser lançado aqui, inclusive. O que parece fazer o seu romance tão interessante para os editores, o mercado e a crítica estrangeira, na sua visão? Essa expectativa gerada para o lançamento aqui e, agora, gerada para o lançamento lá fora é algo que o incomoda ou anima?
GALERA -
É difícil para mim responder a essa pergunta, não sei explicar por que houve um interesse imediato de editores pelo livro. O ideal seria perguntar aos editores. Mas claro que fiquei feliz com isso, me anima muito. Fiquei quatro anos trabalhando no livro, com idas e vindas, e durante todo o processo não fazia ideia de como o texto seria recebido. Fiquei contente porque o interesse teve início a partir da leitura de provas antecipadas que a editora enviou a jornalistas, escritores, outros editores. Antes mesmo do livro chegar às livrarias no Brasil, soube que ele funcionava e fazia sentido para muita gente.

JC - Tem plano para outros livros e projetos?
GALERA - Não tenho nenhum projeto muito concreto ainda, mas algumas coisas estão espreitando na minha cabeça, entre elas algumas ideias para contos e ensaios, e também, possivelmente, uma nova experiência com um projeto editorial, uma espécie de Livros do Mal no contexto da edição digital.

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