CRÍTICA

Daniel Galera investiga fronteiras entre mitos e realidade

O quarto romance do autor paulista mostra porque ele se converteu em dos principais jovens escritores da literatura brasileira

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 14/01/2013 às 5:00
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A literatura brasileira vive um momento de descoberta, motivada em parte pelo interesse externo – é só pensar na coletânea da Granta e na homenagem na Feira de Frankfurt deste ano. Em uma grande lista de autores celebrados pela crítica e pelos seus pares, um dos que mais tem se destacado é o escritor Daniel Galera.

Nascido em São Paulo e criado no Rio Grande do Sul, Galera tem uma atuação literária extensa: é também tradutor e criou a já extinta editora Livros do Mal com o colega Daniel Pellizzari. Com o lançamento do seu quarto romance, Barba ensoapada de sangue, o escritor parece se afirmar não só como um nome de talento, um “escritor jovem” como promete a seleção da Granta, mas sim tal qual um autor de carreira, com estilo, temas e projetos próprios. A obra se tornou uma obra tão esperada que até conta com “blurbs”, aquelas aspas publicitárias e curtas de críticos e figuras importantes, assinadas por autores como Gonçalo M. Tavares e Ricardo Piglia.

O primeiro capítulo da narrativa de Barba ensopada de sangue traz a prosa seca e de impacto que vai dominar o restante do livro. Já publicado como trecho isolado na Granta, o início é um impactante diálogo entre pai e filho em que o primeiro anuncia seu iminente suicídio. Seu pedido é de que o seu herdeiro – protagonista do romance que nunca recebe um nome – prometa que, depois da sua morte, vai sacrificar sua cadela, para evitar uma depressão no animal.

Nesse diálogo estão várias chaves fundamentais do romance. O pai conta sobre o caso do avô do protagonista, apelidado de Gaudério, um homem tempestuoso que foi dado como morto na cidade de Garopaba, Santa Catarina, em condições estranhas: durante um apagão em uma festa, levou diversas facadas e nunca se descobriu o autor delas. Quem viveu o período conta que todos o mataram e ninguém o matou.

Depois da morte do pai, o jovem professor de educação física, que tem uma rara condição que o impede de lembrar os rostos poucos depois de vê-los, decide abandonar tudo que tem em Porto Alegre e vai morar na antiga vila de pescadores em que seu avô morreu, hoje uma praia de veraneio. Ao mesmo tempo em que foge da culpa de saber que se pai ia morrer, leva consigo a já velha cadela Beta. E, enquanto procura respostas sobre o a vida do avô, foge do contato com seu irmão escritor, com que não fala desde que sua namorada o deixou por ele.

Galera faz uma descrição naturalista e direta do cotidiano na cidade pequena, desde a adaptação até a desconfianças do moradores locais, que fecham a cara a qualquer menção ao problemático Gaudério. De certa forma, essa prosa trabalhada em ritmos breves e descrições é um próprio retrato do personagem principal e da opção do autor paulista Galera por um romance de enredo. A escolha de um protagonista atleta, um homem de ação (ainda que não seja um personagem raso) parece ser uma contrapartida ao outro romance possível, talvez o do irmão escritor, baseado na metaliteratura e no esvaziamento do enredo em favor da reflexão sobre o próprio fazer narrativo.

Leia mais no Jornal do Commercio do domingo (13/1)

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