FICÇÃO

A obsessão por Nabokov de Lila Azam Zanganeh

No livro O encantador, a escritora iraniana investiga como o autor russo trabalha o encantamento da literatura e a felicidade

Diogo Guedes
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Publicado em 03/07/2013 às 5:58
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No livro O encantador, a escritora iraniana investiga como o autor russo trabalha o encantamento da literatura e a felicidade - FOTO: Reprodução
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Uma das atrações internacionais este ano da Festa Literária Internacional de Paraty, a iraniana Lila Azam Zanganeh lança no Brasil o livro O encantador: Nabokov e a felicidade (Alfaguara). Nesta conversa com o JC, ela comenta sobre sua mistura de gêneros literários e sua paixão pelo autor, além do ofício de falar de Nabokov sem ser simples demais. Ela uma das atrações do evento, que começa nesta quarta (3/7) e vai até o próximo domingo. Na sua mesa, na sexta, ela conversa com o escritor Francisco Bosco.

JC – Você escreveu um livro sobre a felicidade sem ser prescritiva. Como pôde evitar a armadilha de fazer um manual, uma “fórmula da felicidade segundo Nabokov”, para optar por algo mais complexo?
LILA AZAM ZANGANEH –
Eu sabia desde o começo que não queria simplificar nada. Nabokov é um dos mais extraordinários escritores na história da literatura e, como todos os verdadeiros bons escritores, ele não é exatamente um autor fácil. As recompensas de lê-lo, no entanto, são extraordinárias. Então eu queria introduzi-lo a uma audiência mais geral e fazer um livro tão cheio de jogos quanto possível. Mas logo ali – como se escondido do olhar de todos – o livro também oferece camadas coloridas e complexas de seu mundo, onde a felicidade, essencialmente, é uma elevada capacidade de observação.

JC – Seu livro se usa de vários gêneros: ficção, crítica literária, ensaio. Foi essa a melhor maneira que você encontrou para falar de Nabokov?
LILA –
Sim. Nabokov odiava a “literatura de ideias”, o gênero cinza do ensaio. Então teria sido impossível escrever apenas um ensaio celebrando-o como o maior escritor da felicidade. O livro tinha que ser tão extravagante, tão cheio de jogos e tão multifacetado quanto o próprio autor. Nele o narrador lentamente se torna um grande mentiroso inventando todos os tipos de coisas - encontros com os escritores, aventuras na cama, acidentes na natureza. Dessa forma o próprio narrador, ou narradora, torna-se um personagem nabokoviano e, no último capítulo, usurpa a posição do escritor como se tornar-se um autor fosse um direito dele ou dela.

JC – Você diria que Nabokov é uma obsessão para você? Ela se foi em algum sentido após escrever esse livro?
LILA –
Ah, sim! Uma dessas obsessões que vivem com você como um zumbido constante da felicidade. No entanto, dizendo a verdade, esse livro não é totalmente sobre Nabokov. Nabokov é também um pretexto para entrar no universo da literatura e da ficção, em particular. É um lembrete de por que a literatura, por que a imaginação, por que a beleza importam em última instância. Então não posso dizer que essas preocupações se dissiparam depois de escrever o livro. Acho que o próprio Nabokov será sempre um guia para mim no universo encantado da arte.

JC – Em seu livro você mostra o papel da memória na obra e na vida de Nabokov: para ele, ela é uma forma de reacessar sua felicidade passada. Existe uma conexão entre memória e felicidade para ele? Por que rememorar é tão importante e prazeroso para o autor de Lolita?
LILA –
Sim, a memória é fundamental. Ela é nossa cápsula de consciência. Mesmo aos 97 anos somos capazes de sermos felizes porque podemos recuperar os eventos mais felizes de nossa existência de acordo com nossa vontade. É como um ponto exato de luz ou uma concatenação de pontos conjurados entre toda a escuridão circundante. Em Lolita, o livro todo é feito de memória, imaginação e saudade. Em O encantador, existe uma fórmula matemática, ou um resumo, para essa felicidade (que, claro, como uma fórmula, é uma espécie de brincadeira, também): memória + amor/consciência = tempo N(abokoviano). Essa é a ideia elemental da felicidade – um momento que vai perdurar e ondular como uma onda por toda a eternidade.

JC – Nabokov tem uma prosa e um ideal de beleza que são singulares e raros hoje em dia. O que podemos aprender sobre a arte ao ler Nabokov?
LILA –
Sim, concordo, Nabokov, em sua essência, é um escritor de um ideal de beleza. E sua prosa é a própria imagem desse ideal. É uma luta contínua em direção a ele, por assim dizer. O que ele nos ensina sobre a arte é que a única coisa que a arte só pode nos ensinar é a se tornar melhores observadores. E para isso acontecer nós precisamos de uma boa arte. A boa arte, a grande arte, tornará o observador, esse companheiro de sonho, um artista pelo tempo em que ele ou ela se dispuser a fazer o esforço de imaginar.

JC – Você acha que se apaixonou por Nabokov por que ele era um estrangeiro como você? Que outras coincidências entre sua vida e a dele lhe impressionaram?
LILA –
Sim, existem tantas coincidências. Não queria me debruçar sobre elas por muito tempo no livro porque, no fim de tudo, ele é sobre Nabokov e sobre beleza, não sobre mim. No entanto, até onde eu sei, sim, nós dois somos exilados, nossas famílias viveram uma revolução e a morte de entes queridos, nós dois fomos forçados a viver entre várias línguas, nunca estando completamente em casa em nenhuma delas, e nós dois escolhemos o inglês como língua franca, a linguagem que reagrupa todas as outras em uma só.

JC – Você criou capítulos misturando suas palavras com frases de Nabokov. Esse é o objetivo final do livro, tornar-se um só com a obra de Nabokov?
LILA –
Eu nunca pensei nele nesses termos. Mas amo essa pergunta e também essa noção. Acho que, quando você está escrevendo, você não pode almejar essas coisas, ou pensar muito, se não você fica completamente paralisada. Tudo que eu sei, na verdade, é que esse livro – seja lá o que ele é – é o que eu imaginei que seria. É uma homenagem, claro, e uma conversa. E, acima de tudo, é um livro que tenta apreender a luz e mostrar um vislumbre da beleza através de várias e consecutivas rachaduras da luz.

 

Leia mais no Jornal do Commercio desta quarta (3/7).

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