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A pouca valorização dos contos no mercado editorial

Ofuscadas pelos romances, narrativas curtas foram destaque do Nobel 2013 e

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 23/02/2014 às 5:08
Luiz Santos/Divulgação
Ofuscadas pelos romances, narrativas curtas foram destaque do Nobel 2013 e - FOTO: Luiz Santos/Divulgação
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Não importa que, pela primeira vez na história, o Nobel da Literatura tenha sido entregue para um autor exclusivamente de contos, a canadense Alice Munro. Na lista dos livros mais vendidos no Brasil é cada vez raro encontrar um livro de narrativas curtas, mesmo que perdido em meio a avalanche de romances, biografias e obras de autoajuda, com a eventual presença de uma exceção, Luis Fernando Veríssimo. Um dos gêneros literários mais tradicionais do modernismo – são histórias curtas algumas das obras-primas de Machado de Assis, Dalton Trevisan, Osman Lins, Jorge Luis Borges, Franz Kafka, Anton Tchekhov e Edgar Allan Poe –, o conto é hoje quase um coadjuvante no mercado de livros.

Não é só em vendagens. Os principais prêmios literários do País normalmente escolhem como seus grandes vencedores romances. O Prêmio São Paulo de Literatura é mais restrito ainda: só aceita inscrições de narrativas longas, como se só elas fossem parte da “ficção”. Não por acaso, como relatou o contista Marcelo Coutinho, um autor, ao lançar um livro de contos, deve esperar ouvir uma inevitável pergunta: “E então, quando vem o romance?”.

O conto, apesar de ser um formato ideal para apresentação de novos narradores e para leituras curtas, é cada vez mais escanteado nesse cenário. Desde 2009, o escritor e cineasta Fernando Monteiro vem se insurgindo contra essa valorização do romance. Um dos fatos que o despertou foi uma declaração da então editora da Record, Luciana Villas-Boas. “Considero um equívoco começar a carreira com livros de contos, ou poesia, ou crônica. Esses gêneros não têm público e os livreiros começam a associar o nome do autor a fracasso de vendas. Melhor publicar esses gêneros em outros veículos e investir tempo, pesquisa e estudo na construção de um romance”, disse ela, em 2010, à Revista da Cultura.

Para Fernando Monteiro, esse desprezo pelo conto (e pela poesia, em um caso tão grave quanto) é um traço do mercado brasileiro. As consequências disso são a valorização de eventos de negócios editoriais, como a Feira de Frankfurt, os prêmios voltados só para romances e até a encomenda de romances em projetos como o Amores expressos, da Companhia das Letras, que levou escritores a outros países com contrapartida da criação de uma narrativa que se passasse nelas.

"Ou seja, virou uma festinha cultural com a cara das megas-livrarias brilhantes como catarro em parede. O gênero protagonista, o queridinho desse circuito-de-avenida-paulista é lógico que é o romance", comenta Fernando. "Poderia ser poesia? Que nada. Os editores, sem saber o que fazer com ela, até resolveram deixá-la em paz, ainda bem. Poderia ser o conto? Talvez, porque o Brasil já teve uma idade de ouro do conto, as pessoas aqui gostam de contos (e são até bem apropriados para esta época de horas apertadas), porém os editores brasileiros não sabem mais vender livros de narrativas curtas, ou perderam a mão para isso, quando é tão mais fácil e cômodo, digamos, vender romances como as obras-primas mais importantes de todos os tempos da semana passada".

O escritor argumenta que o romance é visto hoje como um produto antes de tudo mercadológico. Por isso, decidiu parar de fazer narrativas longas, em protesto. "Continuar no romance, para mim, seria - também -seguir participando de bienais, festivais literários e outros eventos do gênero, nos quais as minhas posições pessoais e/ou como romancista, provavelmente não seriam bem entendidas, inclusive por colegas de mesas", defende. Ele lançou, desde então, dois livros de poemas, Vi uma foto de Anna Akhmátova e Mattinata, e abriu uma exceção agora para uma obra escrita antes da decisão, o romance O livro de Corintha, que foi apontado como um dos vencedores do Prêmio Pernambuco de Literatura de 2013. A obra será publicada em março.

Vencedor do Prêmio Jabuti de 2011, com O destino das metáforas, na categoria de Contos e Crônicas (e a prática de colocar dois gêneros tão distintos juntos entre as categoria também é sinal da falta de valorização de ambos por aqui), o escritor Sidney Rocha acredita que há uma resistência do mercado aos contos e à poesia. “Mas é mais à qualidade que ao gênero, continuo insistindo. No ano passado, a Munro, contista, ganhou o Nobel, e um dos maiores sucessos de mercado, no Brasil, foi um livro de poemas, o de Leminski”, analisa o autor, ainda que não acredite que a preferência de editoras e leitores pelo romance vá mudar.

"Isso não é o mais importante. Vivemos uma época onde qualquer um escreve um romance, ou acredita tê-lo feito. É uma excrescência. Por isso, há mais romances desqualificados para o mercado nos caixões das editoras do que de contos, por exemplo. Logo, há lixo em todos os gêneros", opina Sidney. Para ele, no entanto, a saída não é só lamentar: "É preciso parar de demonizar crítica e mercado e sentar a bunda na cadeira e escrever pra valer. Oito horas por dia, como qualquer operário"

Outro contista de destaque em Pernambuco é o escritor e economista radicado em Petrolina Bruno Liberal, que venceu a primeira edição do Prêmio Pernambuco de Literatura com o seu segundo livro, Olho morto amarelo. Sem divisão de categorias, o concurso premiaria o melhor livro do ano entre obras de todos os gêneros. O livro surpreendeu a todos ao render o primeiro lugar ao jovem autor, pouco conhecido do cenário pernambucano.

"A essência da literatura como arte remete ao sentimento que ela desperta em quem lê. Não importa seu gênero, sua estética, sua classificação. Acho interessante do ponto de vista artístico igualar os gêneros num concurso desse tipo", comenta. "Porém, do ponto de vista prático (da análise de dezenas de livros num prazo tão curto), acho perigoso. É muito difícil fazer um julgamento de obras com características tão distintas", aponta.

Para ele, que tem uma terceira obra de narrativas curtas inédita e agora começa a pensar em trabalhar no projeto de um romance, de fato o gênero tem algumas vantagens e desvantagens para a circulação. "Sem dúvida que há uma predileção pelo romance. É o gênero queridinho do mercado, o que vende melhor e é mais discutido. No entanto, o conto vem ganhando espaço com publicações independentes e concursos literários. O meio digital é muito promissor para esse formato narrativo", indica.

Os contos são, por exemplo, excelentes formas de começar a entrar no universo ficcional de um autor, tanto que as coletâneas são até hoje se sustentam em torno dele até hoje. Um problema que ainda existe para Bruno é que, para quem é de fora do circuito literário, o conto é um gênero relativamente desconhecido. "Quase sempre tenho que fazer uma breve explicação. E no final ainda me perguntam: Mas o livro fala sobre o quê?", revela.

Leia a matéria no Jornal do Commercio deste domingo (22/2).

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