CARIOCA

A mitologia dos crimes em novo romance de Alberto Mussa

Escritor trabalha o primeiro assassinato do Rio de Janeiro no seu livro A primeira história do mundo

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 12/07/2014 às 5:33
Foto: Paula Johas/Divulgação
Escritor trabalha o primeiro assassinato do Rio de Janeiro no seu livro A primeira história do mundo - FOTO: Foto: Paula Johas/Divulgação
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Não há nada mais mitológico do que um crime, ainda mais um de solução quase impossível. Como as lendas gregas e indígenas, uma investigação complexa está aberta a várias teorias e interpretações enquanto viver na mente dos outros. É por esse caminho que as teorias da conspiração se tornam parte do imaginário coletivo, para o bem e para o mal.

A primeira história do mundo, do escritor carioca Alberto Mussa, toma para si um pressuposto: entender o simbolismo de um crime é entender também o simbolismo da sociedade que o produz e testemunha. Continuando o projeto dos romances O trono da rainha Jinga (1999) e O senhor do lado esquerdo (2009), o escritor procura desvendar o Rio de Janeiro como síntese de uma ampla mitologia cultural, em suas heranças indígenas, africanas e europeias, no seu novo livro. O desafio é imenso: reconstituir o primeiro assassinato ocorrido dentro da capital fluminense, em 1567.

Trata-se de uma ousadia literária, porque Mussa cria a narrativa em cima dos documentos da época, que obviamente deixam questões em aberto e são insuficientes. E, para piorar, a narrativa policial não é contada através de uma investigação de um detetive, como é comum ao gênero, mas, sim, pela leitura (com leveza, é bom ressaltar, pois o autor carioca tem um dos textos mais sedutores e diretos da atualidade) desses autos. É aí que a desenvoltura da escrita, já mostrada no frenético O senhor do lado esquerdo, sustenta o romance, inserindo nele o imenso desconhecido que é a história cotidiana do Brasil colônia e as mitologias indígenas.

O crime é o seguinte: o serralheiro Francisco da Costa foi assassinado com oito flechas num sábado, enquanto esperava alguém. Mussa estranha, desde início, que os inquéritos tenham apontado só uma causa possível para o crime, ainda que tivessem suspeitado de nove pessoas diferentes. Para todos os acusados, um desejo estaria em comum: o de poder ficar com a esposa de Francisco, Jerônima Rodrigues. “Numa cidade onde há mais homens que mulheres, não pode haver virtude” é a (controversa) tese moral do romance, não por acaso.

Os autos apontam que 70 pessoas participaram do processo, cerca de 15% da população da cidade na época, segundo os cálculos de Mussa. O romance repassa os álibis, motivos e histórias de cada um dos acusados, sempre a partir dos poucos registros que se tem deles. De certa forma, a mitologização desses fatos é a liberdade que colore a trama; como o próprio Mussa revela, ao final do livro, “é dever da ficção, algumas vezes, aperfeiçoar a vida”. Mitos tupis e relatos quase fantásticos do início da presença portuguesa e francesa no Brasil completam a narrativa, impedindo-a de ficar burocrática.

Uma das particularidades da obra é a rejeição das fórmulas policiais, que o próprio autor usaria, em casos diferentes. Mussa deixa claro, desde o começo, que não é uma investigação usual, mas, sim, um olhar especulativo, mirando encontrar uma verdade que não é apenas lógica, mas também mítica. Além disso, a ideia é fugir do “fetiche ocidental pelas motivações psicológicas”. As motivações são, muitas vezes, mais inventadas que as lendas. “Isso, aliás, é o que faz de toda a ficção psicológica um subgênero da literatura fantástica”, comenta em dado momento.

Ainda que não seja o melhor livro de Mussa nessa série sobre os crimes fundadores do Rio de Janeiro, A primeira história do mundo deixa o leitor encantado com a riqueza mitológica que o Brasil escolheu e escolhe não conhecer – e pensando quanto simbolismo foi desperdiçado nesse trajeto, quantas origens poderíamos ter a mais. O livro é envolvente, é sábio, é histórico e é habilmente escrito; e mostra que o autor carioca encontrou, de fato, um jeito de unir conhecimentos e narrativas com maestria.

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