Gilberto Freyre gabava-se de ser um homem múltiplo. Para construir seu pensamento, não aceitava os limites das disciplinas ou temáticas: sociologia, história, antropologia, linguística, culinária, sexualidade, tudo podia ser (normalmente, ao mesmo tempo) matéria-prima para seus estudos. O desafio de ler sua produção, então, é de ver como dar conta da complexidade de um homem de tantas facetas.
O Instituto Ricardo Brennand (IRB), na Várzea, dá início hoje a um curso sobre o pensamento de Gilberto Freyre. Até sexta, os inscritos poderão acompanhar uma das principais pesquisadoras freyrianas, Maria Lúcia Pallares-Burke, mostrar um roteiro para a introdução na obra do do sociólogo de Apipucos. Em Para Ler Gilberto Freyre, a ideia é mostrar esse caminho evitando se focar no clássico Casa-grande & senzala.
Pallares-Burke, pesquisadora da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, é autora de uma das melhores biografias intelectuais do escritor, Gilberto Freyre, um vitoriano nos Trópicos. Segundo ela, a ideia do curso é partir de aspectos da vida e da obra de Freyre para iluminar o seu pensamento. “De um lado, o curso chamará a atenção para alguns trabalhos de Freyre normalmente considerados ‘menores’, mas que são, na verdade, ‘maiores’”, comenta, em entrevista por e-mail. “De outro lado, o curso apresentará Freyre em contexto, ou melhor, em vários contextos, examinando-o através de suas viagens, leituras, amigos, contemporâneos e críticos”.
Para ela, o pernambucano é fundamental para os estudos históricos e sociais hoje e, em certos aspectos, adiantou preocupações da disciplina. Pallares-Burke defende que ele “escrevia história cultural antes de ela ser inventada”. “Pode-se dizer que hoje é reconhecido o valor da abordagem híbrida e interdisciplinar com que Freyre estudou o Brasil – em que literatura, antropologia, sociologia, história e psicologia têm o seu papel. Uma abordagem que, na verdade, ainda tem muito a ensinar e a inspirar aos estudiosos da cultura de qualquer sociedade; e que, quer se aceite ou não suas conclusões, impressiona pela incrível variedade de tópicos, que são tratados a partir do tronco central sobre a história do patriarcado brasileiro”, destaca a pesquisadora, lembrando que as fontes materiais de Freyre também eram singulares.
A “revolução cultural”, como disse Jorge Amado, que se iniciou com a publicação de Casa-grande & senzala até hoje influencia os principais pensadores da cultura nacional. “Para só mencionar um nome contemporâneo em que a marca freyriana é visível, podemos lembrar Roberto Da Matta. Não se poderia imaginar a possibilidade de seus trabalhos sobre o carnaval e sobre o papel da casa e da rua na sociedade brasileira, sem a provocação e a inspiração freyrianas. Em certo sentido, pode-se dizer que Da Matta levou as ideias de Freyre, em alguns setores, um pouco mais adiante”, explica Paliares-Burke.
Leia a matéria completa no Jornal do Commercio desta terça (12/8).