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Everardo Norões lança livro de contos

Entre moscas, publicado pela Confraria do Vento, já é finalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura este ano

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 21/10/2014 às 9:00
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Entre moscas, publicado pela Confraria do Vento, já é finalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura este ano - FOTO: Foto: JC Imagem
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No primeiro conto do volume Entre moscas (Confraria do Vento), do escritor cearense radicado em Pernambuco Everardo Norões, o narrador reencontra um amigo dos tempos de colégio. As frases do amigo sugerem que, por trás da aparência banal, há um homem cruel, um talvez torturador que se define como um misto de guerrilheiro e diplomata. Nas frestas do cotidiano, dentro das 25 histórias do livro, está sempre à espreita a crueldade e a desumanidade. Como o título sugere, os homens, para Everardo, estão sempre entre insetos.

Publicado em 2013, Entre moscas teve uma trajetória discreta, sem as pompas das noites de autógrafos. Mesmo assim, chegou à final de dois prêmios literários neste ano, o Jabuti e o Portugal Telecom - neste último, ainda pode ser um dos escolhidos. Só agora Everardo decidiu – a partir também da iniciativa de uma das editoras da Confraria do Vento, Karla Melo - fazer um lançamento, que acontece terça (21/10), às 14h, na Escola Mardônio de Andrade Lima Coelho, na Bomba do Hemetério.

A própria escolha do local, longe das livrarias e cafés tradicionais, mostra a postura do autor. Everardo - autor e tradutor experiente, com livros como Retábulo de Jerônimo Bosch, W. B. & os dez caminhos da cruz e O fabricante de histórias nas costas - já desenvolve um trabalho de leitura por lá e, mais do que criar um evento em que pessoas vão beber, comprar o título e nunca lê-lo, preferiu "dessacralizar", como ele mesmo diz, o papel do autor, dialogando frente a frente com os alunos e membros da comunidade. "Acredito no que Roberto Arlt diz: um escritor não é diferente de um operário da construção", afirma.

As narrativas de Entre moscas são pedaços da realidade atual, a maioria deles no Recife. Um matador de aluguel, um intelectual no Peru, um aposentado leitor do Diário Oficial, o vizinho escritor El Chino, todos eles são testemunhas ou retratos de uma sociedade cada vez mais próxima da barbárie, da desumanização total.
"O título do volume sugere o que eu tento colocar filosoficamente nos contos, a minha forma de enxergar o mundo: acredito que o humano está cada vez menos humano", aponta Everardo. Falar de um homem que observa, com empatia e sadismo, a companhia de uma mosca em sua sala ajuda a revelar isso. Não por acaso, o autor fala de "nós humanos, pequenos insetos nervosos a se mexerem, sem objetivo nenhum no nosso pequeno bólido perdido no universo".

"A desumanidade é o que vemos todos os dias e não notamos", opina o autor. "Atravessamos a rua e um carro não para, isso é desumano. Ninguém precisa ir para a Síria para viver a morte, vivemos várias mortes do humano todos os dias, na nossa rotina.”

A referência aos insetos não transforma as narrativas do volume em histórias surreais como a famosa novela A metamorfose, de Kafka. Everardo prefere mostrar a avalanche cruel do mundo com o cotidiano, preenchendo com referências literárias os seus contos sem transformá-los em ensaios. Everardo se alimenta de vários autores e tradições - o mundo árabe aparece com frequência no volume - sem deixar sua ficção se esgotar neles. "Não tento criar temas novos, acho que a ficção recria ficções que já foram trabalhadas", aponta. Apesar disso, seus contos não são estudos de obras passadas: têm força própria, funcionam como pequenos abismos – ou seja, não é por acaso que são reconhecidos pelos prêmios literários como um dos momentos de destaque do panorama atual.

Leia mais no Jornal do Commercio desta terça (21/10);.

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