ENTREVISTA

Helder Herik: 'A palavra tem que espantar, assombrar, encantar'

O escritor garanhuense fala sobre o livro "Rinoceronte dromedrário", vencedor do Prêmio Pernambuco de Literatura

Do JC Online
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Publicado em 08/02/2015 às 5:39
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O escritor garanhuense fala sobre o livro "Rinoceronte dromedrário", vencedor do Prêmio Pernambuco de Literatura - FOTO: NE10
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No livro Rinoceronte dromedário, o leitor é convidado a conhecer o mundo do delírio e da fantasia das crianças. Lá, o grude é “a armadura/ da infância”, por exemplo. Na entrevista abaixo, o poeta garanhuense Helder Herik comenta como foi recriar essa definições e lembranças da infância no volume. Dono de uma rotina frenética de escrita – acorda todos os dias às 4h da manhã, ele fala, entre outros temas, da influência da sua dislexia na obra: “Todo poeta, todo artista e todo louco, deve ter uma fratura na cabeça”, afirma.

JORNAL DO COMMERCIO – Em Rinoceronte dromedário, seus poemas são repletos da potência da ingenuidade. Você tenta enxergar o mundo assim ainda hoje? Ser poeta é continuar sendo criança de alguma forma?
HELDER HERIK –
O meu fazer poético funciona mais ou menos da seguinte forma: primeiro eu procuro ver as coisas como se fosse pela primeira vez. Ou então eu procuro ver as coisas pelo seu avesso. Ou então, é como se eu chegasse de outro planeta. Depois eu procuro escrever como se estivesse na pré-escola, desenhando cada letra, soletrando. Ou então, eu me desalfabetizo e aprendo a escrever somente naquela hora. Ou então, eu estico a palavra, as pernas e braços, pescoço e nariz, até que a palavra fique toda arranhada, abaratada, que é quando a palavra brilha, se avagalumando. Por tudo isso é que me acho ainda menino. Sou um menino castigado no corpo de um homem. A pior coisa é ter que trabalhar. Só queria poetar. Poetar ou aborboletar. Pronto, isso é que era vida!
 
JC – Em muitos momentos, o livro tem um certo ar de dicionário poético. Você busca isso na sua obra, desexplicar as coisas, inventar histórias mais bonitas para elas?
HELDER –
É que eu não me conformo com o que a palavra é ou com o que a palavra diz. Ser e dizer ainda é muito pouco. A palavra tem que espantar, assombrar, encantar. Só dizer é muito pouco, a palavra tem que gritar. O que eu gosto de fazer é sabotar a palavra. Eu gosto de por cãibra nas palavras. Eu gostaria muito que o leitor tivesse cãibras nos olhos e na língua. Até na alma, se calhar.
 
JC – Falar em dislexia é também falar em alguém que lê as coisas de forma não convencional. Acredita que a inspiração para os seus versos vem desse modo de enxergar o mundo? A sua poesia é uma dislexia organizada?
HELDER –
Eu tenho o maior orgulho de ter dislexia. Acho até que me dá status de artista. Todo poeta, todo artista e todo louco, deve ter uma fratura na cabeça. Minha fratura é a dislexia. Acho a maior graça quando leio uma palavra que não existe; quando escrevo uma palavra em outro idioma. Se não fosse a dislexia eu seria um sujeito normal, feliz até. Mas eu acho que não quero ser muito feliz. Eu quero é ser muito poeta.
 
JC – Além de neologismos, Rinoceronte dromedário tem uma dicção particular, com inversões de frases, lacunas intencionais. Como foi trabalhar nisso, para que ficasse aberto e compreensível ao mesmo tempo?
HELDER –
Eu queria fazer um livro cuja linguagem fosse bem próxima da linguagem de uma criança. Eu só aprendi a ler e escrever aos 12 anos (ainda hoje, acho que nem sei fazer bem uma coisa ou outra). Desaprendi a ler e escrever para compor o livro. Limpei-me das erudições. Fiquei feto. Daí ter ficado com a sensação de ter os meus 12 anos de novo.
 
JC – Pelo tema e pelo olhar, os versos do livro dialogam muito com a tradição da poesia de Manuel de Barros e me lembram um pouco também a poesia de Fabricio Carpinejar. Os dois são influências suas, de alguma forma?
HELDER –
Pode parecer que não, mas as minhas maiores influências literárias são João Cabral e minha avó, Bertoleza. Com Cabral eu vi o que a poesia não deve ser (didática), com a minha avó o que a poesia deve ser (imagética). De resto acho que minha poesia se irmana com a de Manoel de Barros, Fabrício Carpinejar, Manuel Bandeira e Mário Quintana. São poetas-irmãos! Somos!
 
JC – Tem novos trabalhos sendo gestados?
HELDER –
No segundo semestre devo lançar A loucura como estratégia de sobrevivência, poemas. E venho escrevendo um livro para crianças. Acho que as crianças são a evolução de humanidade.

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