ENTREVISTA

Tadeu Sarmento fala sobre o romance vencedor do Prêmio Pernambuco de Literatura

O autor recifense de 37 anos criou uma inusitada associação de sósias e uma cidade fictícia na narrativa

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 02/03/2015 às 5:54
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O autor recifense de 37 anos criou uma inusitada associação de sósias e uma cidade fictícia na narrativa - FOTO: NE10
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Em uma associação, sósias de famosos se reúnem. Na cidade de Nueva Koninsgberg, os habitantes vivem imitando o cotidiano regrado de Kant. No romance Associação Robert Walser para sósias anônimos (Cepe Editora), um dos vencedores do Prêmio Pernambuco, o escritor Tadeu Sarmento cria esses ambientes surreais e envolventes. Na entrevista abaixo, o autor fala sobre a obra, que ganha novo lançamento no próximo sábado (7/3), no Retalhos (Rua da Aurora, 1193, Santo Amaro), às 19h.

JORNAL DO COMMERCIO – Associação Robert Walser para sósias anônimos fala bastante da obsessão humana em fugir de si mesmo e tentar ser outro. Como e por que essa temática, através de sósias, cidades inventadas e associações surreais, começou a lhe interessar?
TADEU SARMENTO –
Acho que desde sempre. Talvez porque acredite que o escritor seja o suprassumo da arte de ser um sósia, no sentido de que o escritor busca construir sempre um outro que fale em sua ausência diante de uma audiência perfeita, discreta e silenciosa. Porque os leitores são a audiência perfeita. Eles estão distantes. E é bom que estejam. Eles não gostariam de me conhecer pessoalmente.
 
JC – A metáfora do sósia parece fundamental para entender seu romance. O que um sósia nos diz sobre as nossas inquietações atuais?
TADEU –
Diz muito. O Facebook está cheio de sósias. O Facebook é um parque temático de sósias. Todos ali escolheram um modelo que lhes inspira os modos. Ninguém é tão redondo, tão feliz, tão progressista quanto aparenta ser na timeline. Assim como os sósias da Associação, todos ali têm um passado que querem esquecer ou esconder e a ilusão de que, ao ficarem online, estão queimando as pontes que os conectam a quem eles são de fato. A vida online é a vida do sósia por excelência. Um grande mural para sósias autistas.
 
JC – Depois de ler o livro, fiquei com algum medo de, nesta entrevista, estar conversando com um sósia seu, e não você. Como saber a diferença?
TADEU –
Com certeza você conversa com um sósia meu. Pois respondendo a essas perguntas estou no meu papel de escritor. Não sou a pessoa que sou quando as portas se fecham e eu fico sozinho. Ninguém é. Mas cada vez mais a perfeição da arte do sósia é a luta diária pelo seu direito de estar finalmente a sós consigo mesmo.
 
JC - Além da referência a escritor Robert Walser no título, a obra nos lembra o universo surreal e literário de alguns autores, como Enrique Vila-Matas, Roberto Bolaño ou Borges. O livro é uma homenagem à literatura, também? São esses os autores com que você estabelece um diálogo?
TADEU –
Sim, é uma grande homenagem à literatura, a essa arte silenciosa e doce que se comete sem testemunhas. Porque só depois que o livro está pronto é que as testemunhas são acrescentadas, como as vítimas atrasadas de um assassino nato. Eu mesmo sou a vítima atrasada de Roberto Bolaño, que é o autor com quem mais estabeleço um diálogo no momento. Pois li pouco Vila-Matas e Borges é Deus: não se pode dialogar com ele. Mas com Roberto Bolaño sim. Li todos os seus livros traduzidos e cheguei ao cúmulo de comprar camisas tão feias quanto as que ele usava.
 
JC – A impressão no romance é a de estar no meio de um sonho estranho e muito elaborado. Gosta da sensação de colocar o leitor em ambientes surreais?
TADEU –
Gosto, porque no fundo escrevo para leitores como eu. E gosto de ser colocado em ambientes surreais. De sentir os pés fora do chão enquanto leio. Ou de me sentir sonhando...
 
JC – Este não é seu primeiro livro – você disponibiliza na internet outros 11 títulos, além de ter Paisagem com ideias fixas publicado pela editora Bartlebee. Sentiu dificuldade de fazer suas obras circularam antes? Acha que é possível encontrar mais leitores com um prêmio?
TADEU –
Claro que sim, prêmios literários sempre nos colocam em evidência. Mas a última palavra será sempre do leitor. Mas não há como saber se encontrarei mais leitores. Espero que sim. A garrafa foi lançada o mais longe possível no mar. Espero que o acaso a conduza aos bons destinatários. Quanto à questão da circulação das obras antes de ser publicado: a internet facilita muito esse lado. Mas é claro que um prêmio literário é como um selo de qualidade impresso em nossa testa, ainda que sua data de validade seja incerta.
 
JC – Você é um escritor muito profícuo: mantém um blog além dessa obra tão vasta. Como consegue escrever tanto? É algo indispensável na sua vida?
TADEU –
Sim. A literatura é a minha vida. É também minha doença. A doença que me mantém vivo. Preciso ter uma obsessão, um vício, algo pelo que abandonar todas as demais minoridades da vida para me concentrar em um único foco. Quem se livra de bagagens pesadas para subir uma ladeira acidentada deve se sentir assim como eu me sinto quando escrevo. Escrever me mantém coeso e na superfície. E é na superfície que os deslizes de terra e os incêndios ocorrem. Mas também a dança com as belas mulheres. E haverá sempre a dança com as belas mulheres.

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