RESENHA

Rômulo César Melo cria obra com contos hábeis

O autor pernambucano, um dos vencedores do Prêmio Pernambuco de Literatura, mostra perícia literária em "Dois nós na gravata"

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 05/04/2015 às 5:36
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O autor pernambucano, um dos vencedores do Prêmio Pernambuco de Literatura, mostra perícia literária em "Dois nós na gravata" - FOTO: Divulgação
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Narrativas breves, muitas vezes, se resumem a criar a força de um momento fundamental – reencontrar o passado, poder finalmente se vingar da tia, o momento da morte de duas irmãs, a separação de um casal amaldiçoado, o diálogo de um escritor com seus personagens. No livro de contos Dois nós na gravata (Cepe Editora), do escritor e poeta Rômulo César Melo, uma das obras vencedoras do Prêmio Pernambuco de Literatura, há diversas dessas cenas, complexas, elucidativas, trágicas. Cada uma com sua especificidade, mas sempre cobertas de dor e personagens sofridos.

Único título de contos vencedor da premiação, o volume é o segundo do autor, que publicou em 2013 Minimalidades. Também poeta, Rômulo é um dos nomes da nossa literatura que passou pela formação na oficina de escrita de Raimundo Carrero – dado importante para se entender alguns traços da obra. Ali, nos 17 textos, é possível ver uma ampla gama de variação de formato e técnicas, fruto talvez dessa ampliação das possibilidades literárias que o curso proporcionou.

Rômulo traz para as narrativas essas composições diversas, sem transformá-las, no entanto, em um mero laboratório. Quando cria, em Ruazinha, uma alternância brusca de vozes entre um advogado que visita uma cidade no interior, uma moça que o observa pela janela e até a galinha que está no terreiro, é para dar uma velocidade e uma vertigem a um encontro aparentemente simples.

No curtíssimo Estrela, brinca, com uma habilidade quase cruel, com aliterações enquanto o protagonista do conto tenta salvar suas posses de uma enchente.

As histórias são criativas, algumas com ares fantásticos, outras que mergulham na dramaticidade da vida urbana. É inevitável destacar que Rômulo leva seus contos da pré-história até a Rússia ou a Londres da Segunda Guerra. No texto que fecha o livro, Um conto não autorizado, mostra Machado de Assis, depois da morte de sua esposa Carolina, solitário em casa, quando recebe a visita de duas figuras familiares, personagens dos seus romances.

Hábeis, os contos tem um tom mais certeiro, no entanto, quando mergulham na tensões das relações humanas. Quando soube da Tia Eufrásia... mostra a cena de uma morte e vai revelando aos poucos para o leitor os problemas da convivência entre as duas personagens e a vingança de uma delas – uma das tramas que trabalha com os conflitos morais e a liberdade sexual. No casamento de uma mulher com um soldado que vai à Segunda Guerra, dentro da narrativa Dois corações e uma estrada, ele fala do silêncio dos traumas (a personagem é uma “viúva de um homem vivo”) e da continuidade do cuidado depois do amor.

O conto que dá título à obra é um dos melhores do volume. Um homem, Antenor, escuta os lamentos da esposa em um parque, sobre o casamento já antigo e desde sempre amaldiçoado dos dois. Esse conto, assim como a maioria do livro, trabalha escondendo dos leitores pequenos segredos, que não são utilizados para provocar reviravoltas mirabolantes, mas para explicar o drama tecido desde o início.

Trata-se, portanto, de um livro bem construído, cheio de relances das paixões humanas. Alguns dos contos marcam menos: têm tramas interessantes, mas poucos conflitos envolventes. Os que trazem o ambiente e as angústias da criação artística, por exemplo, parecem mostra imagem já gastas dos escritores como seres frustrados ou de uma sensibilidade incompreendida. Mesmo esses casos, no entanto, não impedem que Dois nós na gravata seja um atestado da perícia de Rômulo na prosa.

Trecho do livro:

Tome o lenço, pare de chorar. Já choramos o bastante, quase debulhamos um rio Volga de lágrimas. Lamentações sem futuro. Se médico algum conseguiu, quando em vida, ninguém removerá o tumor dos restos mortais de mamãe; e também se o fizesse de nada adiantaria; nem a bala na têmpora de papai, depositada horas depois do sepultamento da esposa. As manchas dos miolos passaram a fazer parte da parede do escritório, pelo menos algo dele permaneceu, desconfio que aquela frase repetida nos Natais “quando eu me for, meninas, algo meu ficará por aqui” se referia a essas manchas crucificadas na madeira da parede, as faxineiras não conseguiram limpar; tampouco seriam apagadas as ausências que nos seriam impostas a partir dali.

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