FICÇÃO

Livro mostra a prosa vertiginosa de Copi

O escritor e dramaturgo argentino é finalmente descoberto editorialmente no Brasil com a publicação do livro 'O Uruguaio'

Diogo Guedes
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Publicado em 24/06/2015 às 5:00
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O escritor e dramaturgo argentino é finalmente descoberto editorialmente no Brasil com a publicação do livro 'O Uruguaio' - FOTO: Divulgação
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Copi era muitos – o escritor, o dramaturgo, o cartunista, o ator travesti – mas, na ficção, sempre foi essencialmente um personagem que sempre se reinventa. Dono de uma prosa vertiginosa, que parece sempre estar em movimento, o autor argentino finalmente ganhou uma edição com amostras da sua escrita literária no Brasil: o livro O Uruguaio, publicado pela coleção Otra Língua da Rocco. Ali, é possível ver como elementos surreais, a invenção de si mesmo e ironias e críticas devastadoras se unem na sua ficção.

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O volume reúne duas novelas. A primeira, que dá título ao volume, mostra um cenário impressionante: um estrangeiro no Uruguai (chamado Copi, claro) que escreve a seu mestre contando os eventos absurdos no país – uma tempestade de areia toma conta de Montevidéu, o mar some, as pessoas morrem e ficam empalhadas sem motivo aparente. Tudo isso em um texto quase contínuo, sem parágrafos, em que o leitor acompanha as mudanças radicais do país – repletas de críticas sociais, da ironia com as ditaduras e com outros poderes – num ritmo alucinante.

Na segunda narrativa, menos veloz, outro Copi emerge, um argentino em Paris, heterossexual que recebe a ex-mulher para passar uma temporada em casa. Paira sobre ele o mistério do interesse de um organização, a Internacional Argentina, que busca reunir as mentes imaginativas do país espalhadas pelo mundo – segundo o grupo, Maradona, Borges, Eva Perón e o futuro da Patagônia estão interligados.

As duas histórias revelam, ainda que parcialmente, um pouco dessa estética iconoclasta do autor. A normalidade é constantemente dissolvida nas suas narrativas, como se o objetivo fosse, como um mágico, distrair o leitor para repentinamente lhe roubar o chão.

SURREALISTA
“A prosa dele é bem vertiginosa, algo visível em todo o seu trabalho. Ele tem a ideia de presentificação e do relato contínuo, em que o texto vai sempre se desdobrando em algo maior. É por isso que ele tem mais influência do surrealismo do que do realismo mágico”, conta a pesquisadora e poeta Renata Pimentel, que escreveu sua tese sobre o autor em 2007.

Esse “humor delirante” da prosa de Copi é o que faz dele tão singular: parece, para Renata, um autor contemporâneo, ainda que essas duas novelas sejam de 1973 e 1989. Segundo ela, uma chave fundamental da obra literária dele é o “travestimento da linguagem” – Copi sempre se coloca no texto, inventando uma persona diferente para si a cada um deles, sem ter necessariamente uma relação biográfica com o autor.

“Ele se traveste no que quer pôr em evidência, mas sem colocar em si mesmo uma camisa-de-força. É dessas inúmeras possibilidades que vem a potência tremenda da obra dele. Ele nunca declara nada, ele sugere, no desenho, no teatro ou na escrita”, atesta a pesquisadora. Ainda segundo ela, a sua ironia pode até parecer violenta, mas na verdade mira em vários pontos diferentes: o machismo latino-americano, a nossa fabricação de mitos, de Borges a Evita, a imagem do argentino como europeizado. “Todos falam de uma militância das identidades de gênero na obra dele, mas ele mesmo dizia que elas eram mais um tema abordado nas suas ficções”, analisa.

Ela comemora a “descoberta” tardia da produção do argentino em várias linguagens. “Sinto uma felicidade imensa de ver as pessoas se contaminarem por essa obra fantástica”, confessa a acadêmica. A dificuldade de circulação, no entanto, não se restringe ao Brasil. “Esse desconhecimento acontece em outros países. Na França, sua obra está esgotada, só é encontrada em sebos”, conta Renata.

Existem dois motivos para isso, segundo ela. “Primeiro, a sua produção não é fácil: é gostosa de ler, mas não é fácil, porque tem uma camada cultural grossa”, pondera. Para o teatro e as traduções, o empecilho é a agente que cuida dos direitos de obra de Copi: Renata conta que, antes, chegava-se a cobrar 4 mil euros para liberar montagens.

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