VERSOS

Ana Martins Marques fala sobre 'O Livro das Semelhanças'

Uma das principais poetas brasileiras, ela é uma das convidadas da Bienal do Livro de Pernambuco

Diogo Guedes
Cadastrado por
Diogo Guedes
Publicado em 10/10/2015 às 5:17
Rodrigo Valente/Divulgação
Uma das principais poetas brasileiras, ela é uma das convidadas da Bienal do Livro de Pernambuco - FOTO: Rodrigo Valente/Divulgação
Leitura:

Enquanto todos prestam atenção nas músicas de um disco, um poeta pode observar os silêncios dos intervalos entre as faixas; enquanto as pessoas olham a beleza do mar, versos podem tentar dar conta do que é nunca é ter visto o oceano. “Que ideia farão/ do ilimitado?/ que ideia farão/ do perigo?/ que ideia farão/ do partir?”, questiona a poeta mineira Ana Martins Marques – talvez não por acaso nascida em um lugar distante do litoral. Sua nova obra, O Livro das Semelhanças (Companhia das Letras), terceira da sua trajetória, é uma declaração simples de como os versos ainda podem servir para colecionar sensações, sentidos, belezas e ruínas através de palavras.

Um dos principais nomes da poesia brasileira na atualidade, Ana participa nesta sábado (10/10), a partir das 17h, da Bienal do Livro de Pernambuco, conversando com o poeta Fernando Monteiro. Na obra, a autora mineira parece construir seus poemas com uma ampla generosidade: a elaboração dos seus versos não parece ser feita para confundir o leitor, apesar deles trazerem muito mais do que frases de efeito ou sentimento pré-fabricados. N’O Livro das Semelhanças, ela constrói uma obra que soa como casual mas tem uma ordem poderosa. Dividida em quatro partes, aborda a própria constituição de um livro de poemas, a imagem dos mapas, a beleza escondida nos lugares-comuns, e traz ainda um livro de semelhanças, constituído de memórias, amores e do cotidiano.

Como já acontecia na sua obra anterior, Da Arte das Armadilhas, a poeta não se furta a tatear nos próprios versos o sentido de fazer poesia. “Gosto da ideia de uma poesia que examina seu próprio fazer, que investiga seus materiais. E não acho que haja, necessariamente, uma oposição entre uma poesia metalinguística e uma poesia que se volta para outros temas e territórios. Para dar um exemplo grandioso: João Cabral de Melo Neto tem muitos poemas metalinguísticos, que estabelecem uma verdadeira poética, sem deixar em nenhum momento de tratar também do mundo; ao contrário, eles parecem retirar do mundo, da paisagem áspera, reduzida ao essencial, o modelo para sua própria elaboração”, comenta, em entrevista por e-mail. Além disso, ela revela seu gosto por compor versos que parecem ser sobre si mesmos, mas são sobre o amor – ou vice-versa.

Na obra, é possível se deparar com o gesto de quebrar um copo e notar que, de repente, nós também estamos tentando lidar com estilhaços, ou que “acontecer é irreversível”. Há o aceno para a própria tristeza, mas há brincadeiras sensíveis (“Quando Ícaro/ caiu/ no mar/ a sereia que/ primeiro/ o encontrou/ amou nele/ o pássaro/ ele amou nela/ o peixe”), o encontro com o amor, a despedida do tempo. Mesmo com um livro tão belo, talvez um dos mais delicados entre os publicados neste ano, Ana sente que foram os leitores muito generosos com ela.
“É difícil, quando se está escrevendo um livro, antecipar sua recepção. A leitura sempre tem um elemento imprevisível, misterioso e, por isso, me parece um erro tentar escrever tendo em vista um esquema prévio do que supostamente agradaria os leitores. Por outro lado, a decisão de publicar um livro sempre implica um desejo de diálogo, de compartilhamento, e sem dúvida é uma alegria quando você se dá conta de que aquilo que escreveu toca ou interessa outras pessoas”, atesta.

Na conversa com Fernando Monteiro, ela vai comentar como construiu o livro ao longo de quatro anos, com poemas criados ao acaso e séries que obedecem a alguma ordem, como Cartografias. Ali, a viagem feita é mais através da simbologia dos mapas, dos afetos, das memórias e dos desejos do que por territórios propriamente ditos. “Viajo relativamente pouco, não porque não goste de viajar, mais por circunstâncias pessoais mesmo. Ao mesmo tempo, a viagem é não só um dos topos literários mais poderosos e recorrentes (lembro de uma afirmação do Queneau de que toda narrativa é uma Ilíada ou uma Odisseia: um relato de partida ou um relato de chegada), mas também provavelmente uma das metáforas mais adequadas para a leitura e, talvez, também para a escrita. Viajo mais por livros do que por países, como aqueles ‘viajantes de mapas, turistas de nomes de cidades’ que estão em um dos meus poemas”, comenta.

Além disso, mesmo que a distância e o estranhamento do mar a fascinem, Ana não gosta de pensar que existe uma tradição poética mineira ou uma “mineiridade”, como se fosse possível essencializar a identidade e a literatura de um Estado. “Por outro lado, gosto de pensar em Minas Gerais como uma espécie de espaço literário, no modo como o mapa literário, feito de cidades e lugares imaginários, se sobrepõe e se entrelaça ao mapa real, desarticula esse mapa, mistura-se com ele. Existe uma Minas criada a partir da poesia do Drummond; uma outra Minas, diferente, que nasce da obra de Guimarães Rosa”, comenta. De fato, o que a autora faz não é constituir uma outra Minas, como outros mineiros fizeram, mas é impossível não ver ali a beleza de suas cartografias poéticas, amorosas e sensíveis.

Últimas notícias