FEIRA DE FRANKFURT 2015

Editores e refugiados de países em conflito usam a palavra para resistir

"Todos os escritores estão afetados e falando sobre isso. E as pessoas querem saber o que se passa lá. Essas histórias de vida ajudam a compreender o momento", diz Marwan Adwan

MARIA FERNANDA RODRIGUES enviada especial Agência Estado
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MARIA FERNANDA RODRIGUES
enviada especial Agência Estado
Publicado em 19/10/2015 às 11:36
Frankfurt Book Fair/Divulgação
"Todos os escritores estão afetados e falando sobre isso. E as pessoas querem saber o que se passa lá. Essas histórias de vida ajudam a compreender o momento", diz Marwan Adwan - FOTO: Frankfurt Book Fair/Divulgação
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Ter uma editora para publicar obras de jovens escritores era o sonho do sírio Mamdouh Adwan, autor de 85 livros, entre romances, poemas e peças, e também tradutor (de Tenda dos Milagres, de Jorge Amado, inclusive). Mas ele morreu em 2004, sem conseguir realizá-lo. Coube à sua mulher, dois anos depois, a criação da editora que levaria o nome do marido. E então ela também morreu, em 2013, deixando o negócio para seu filho engenheiro de computação, Marwan Adwan. 

Àquela altura a situação da Síria já era catastrófica. "Estamos sofrendo e vivendo várias guerras ao mesmo tempo. As pessoas estão se matando, as cidades estão destruídas. Não precisamos de ditadores ou de extremistas, e nem da Rússia atacando", conta o editor, que vive desde 2013, sozinho, em Dubai. Seu irmão está na Alemanha. Os parentes e amigos, ao redor do mundo. 

Marwan, 30 anos, participou da Feira do Livro de Frankfurt pelo segundo ano consecutivo como editor convidado. Ele ganhou um mini estande, hospedagem e ajuda de custo e espera vender os direitos de pelo menos 10 títulos que editou para outros países em 2016. A procura existe, ele diz. Por ora, acha que é cedo para tratar sobre a destruição de seu país na forma de não ficção, que ele também publica, mas conta que já estão surgindo obras que têm como pano de fundo o dia a dia na Síria hoje. 

Um exemplo que ele dá, e tenta vender na feira, é Uma Parte Perdida do Céu de Damasco, de Raed Wahashi. "Todos os escritores estão afetados e falando sobre isso. E as pessoas querem saber o que se passa lá. Essas histórias de vida ajudam a compreender o momento."

Para ajudar a precária economia de seu país, ele imprime, quando pode, os livros lá e os distribui para as bibliotecas e livrarias que vão resistindo. As obras - são 80, até agora - também chegam a outros países de língua árabe. Ele comenta que apesar de o livro ter se tornado objeto de luxo nos orçamentos das famílias que continuam em suas casas, a procura vem aumentando. "Este é um tempo de grandes perguntas e livros são um caminho para os sírios se abrirem para o mundo, além, claro, de um jeito de fugir dessa realidade horrível e encontrar algum prazer."

No sonho de seu pai, Marwan encontrou a sua forma de resistir e de dar a sua colaboração. Seu sonho é "voltar para casa, para uma casa segura". Idêntico ao de Samer El Kadri, que também foi editor convidado de Frankfurt em 2011 e 2012. Depois disso, sua vida ficou agitada - mas não porque sua Bright Fingers, de livros infantis, estourou. Começava, ali, sua peregrinação. 

Em 2012 mesmo, ao embarcar para a Feira do Livro de Abu Dabi, ele já sabia que não voltaria para casa. Ao desertar, levou a mulher e as filhas, e começou vida nova na Jordânia. Kadri não veio a Frankfurt este ano. Hoje, eles vivem em Istambul, onde criaram uma livraria que empresta, sem custos, livros e que funciona como centro cultural. "Fazemos isso porque precisamos de um lugar de onde podemos dizer ao mundo quem somos, quem são os sírios", disse ao Estado. Ele segue esperando o dia de voltar a Damasco.

Marwan e Samer são dois refugiados que encontraram em outros países uma chance de tocar a vida adiante. Como eles, há milhares. Neste domingo (18/10), último dia da Feira do Livro de Frankfurt, eram esperadas 650 pessoas vindas tanto da Síria como da Eritreia, Argélia, Afeganistão, entre outros países, e que por perseguição política ou religiosa, pediram asilo à Alemanha

O afegão Mohammed Navi, 25, era um dos refugiados na primeira visita guiada do dia. A iniciativa é parte de um programa para melhor integrar os novos moradores do País e garantir acesso a livros e educação. Ao saber da visita, Dana Baghery, alemã de origem iraniana, se prontificou a ajudar no tour traduzindo para o persa.

"O mundo é um só e devemos ajudar o outro", diz a garota de 18 anos, cujos pais, perseguidos políticos, trocaram o Irã pela Alemanha há 30 anos. "O que o governo está fazendo é propaganda, mas os cidadãos estão se mostrando prontos a ajudar, e isso é importante."

*As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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