ESCRITA

Premiações literárias de 2015 destacam romances de escritoras

Nas premiações nacionais, foram pelo menos oito autoras de narrativas escolhidas entre as melhores dos últimos dois anos

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 06/12/2015 às 6:00
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Nas premiações nacionais, foram pelo menos oito autoras de narrativas escolhidas entre as melhores dos últimos dois anos - FOTO: Divulgação
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Nos últimos dois anos, a pouca atenção dedicada à literatura criada por mulheres, no mundo e no Brasil, tem sido um tema recorrente de debates, artigos e projetos. Nada mais justo, já que qualquer observação mais detalhada, como a pesquisa da professora Regina Dalcastagnè ou a provocada pelo clubes de leitura #LeiaMulheres, revela como as escritoras têm mais dificuldades de publicar e são menos lidas dentro do mercado editorial. As críticas e as polêmicas tornaram o assunto – felizmente – algo incontornável nas rodas da escrita neste período.

Talvez a relação não seja exatamente direta, mas é impossível não notar que as premiações literárias deste ano abriram um espaço inédito para obras feitas por autoras. Foram pelo menos oito premiações nacionais, especialmente para obras de ficção (confira ao lado) – no Prêmio APCA, anunciado nesta semana, a poeta Ana Martins Marques ainda ingressou nesse forte grupo com o seu O Livro das Semelhanças.

Nas narrativas, é possível ver a diversidade de abordagens e caminhos seguidos pelas autoras premiadas – bem além do estereótipo de “literatura feminina”. Micheliny Verunschk, por exemplo, fez uma obra com uma protagonista feminina, mas narrada por um senhor irônico. É um romance que traz a temática do suicídio e do sagrado e que, ao mesmo tempo, tem momentos como este: “Cabe às mulheres desde sempre, de Pandora a Eva, a faísca da subversão, a quebra de valores, a assumida falta de pudores e um extremo gosto pela transgressão”.

“Acho que prêmios assim são resultado do fato de escritoras estarem em um momento de crítica ao estado das coisas na literatura. Havia antes um silenciamento, era importante que disséssemos que estamos aqui e estamos produzindo”, comenta a escritora.

No Prêmio São Paulo, outra pernambucana, Débora Ferraz, foi celebrada pela sua estreia no formato romance. Em Enquanto Deus Não Está Olhando (Record), a autora – que viveu boa parte da juventude em João Pessoa e agora está em Porto Alegre – faz uma narrativa sobre uma jovem e o desaparecimento do seu pai. “Pra mim, estar entre os finalistas já era algo muito bom. E a melhor parte é que o prêmio, eu acredito, deve dar para o livro uma nova visibilidade. Pois é mais fácil, para o leitor, em meio a tantos títulos que surgem mensalmente nas prateleiras das livrarias (os mais novos vão ofuscando os mais velhos) olhar com mais interesse para obras que já passaram por algum tipo de crivo, um ‘controle de qualidade’, e os prêmios acabam funcionando assim. Sobre a minha própria trajetória, acho que isso significa sobretudo renovar o ânimo para a escrita”, explica a autora.

Para ela, não é possível dizer precisamente se há agora um olhar mais atento – ela ainda vê muitas colegas serem elogiadas por “não escreverem como mulher”. “De qualquer forma, existem as campanhas, e há uma grande validade em repetir, nelas, para que se leia mais mulheres: uma relevância história, social, em brigar pelo reconhecimento deste lugar de fala... Mas há ainda um outro aspecto que, a mim, me interessa bastante, que gosto de destacar para além do sociológico: o literário, propriamente dito, o estético... Creio que nessas narrativas escritas por mulheres pode haver um ponto de vista novo, um olhar menos viciado. E é para isso que a arte serve, não é?”, afirma.

A escritora Maria Valéria Rezende, nascida em Santos e radicada em João Pessoa, foi a grande vencedora da categoria de ficção do Prêmio Jabuti – levou duas estatuetas por Quarenta Dias (Alfaguara), eleito melhor romance e livro do ano. “A gente sempre ganha por um triz, sei disso porque já estive em júris. Mas o prêmio é bom porque me estimula e me dá condições de terminar o que tenho para escrever”, aponta. Ela comemora não só a grande presença de mulheres, mas a atenção para autores de fora do eixo-Rio-São Paulo. “É importante sair do gueto de escritores paulistas e ter uma escrita que reflete a diversidade social imensa do País. Teve um tempo em que se achava que todas as mulheres deviam escrever como Clarice – ela é excelente, mas deixa Clarice para Clarice. É preciso ter mulheres escrevendo porque elas são fundamentais para compor o mosaico que nós somos”, opina. “Afinal, a literatura é o que vai compondo o retrato de um povo.”

As obras de mulheres premiadas em 2015
 
Prêmio São Paulo
- Nossa Teresa, Vida e Morte de uma Santa Suicida, de Micheliny Verunschk – O romance mostra, em uma prosa irônica, a trajetória de Teresa, uma menina considerada santa pelos habitantes de uma cidade e que termina se suicidando. O culto a ela não para com sua morte, e o bonito paradoxo de uma santa suicida termina envolvendo até o Vaticano.
– Enquanto Deus Não Está Olhando, de Débora Ferraz – A obra, vencedora do Prêmio Sesc 2014, traz uma jovem aspirante a artista plástica que vive a vertigem do desaparecimento do seu pai, recém-desaparecido de uma clínica para alcoólatras. Em uma prosa densa, ela mostra o conflito da personagem com a perda, o amadurecimento e o passado.
 
Prêmio Jabuti
- Quarenta Dias, de Maria Valéria Rezende – A professora Aline é obrigada a deixar João Pessoa e morar em Porto Alegre e, por uma reviravolta, termina sem a família por lá. Ao ouvir que o filho de Socorro, uma amiga paraibana, está desaparecido na cidade, ela começa uma busca obsessiva pelo jovem que vai levá-la ao limiar da loucura.
- Sem Vista para o Mar, de Carol Rodrigues – Ex-aluna da oficina de Marcelino Freire, Carol criou contos que nasceram a partir da sonoridade do nomes de cidades do interior paulista. As narrativas prezam por uma linguagem própria, sem vírgulas e com ritmo particular – a obra também levou o Prêmio Biblioteca Nacional neste ano.
 
Prêmio Biblioteca Nacional
- Turismo Para Cegos, de Tércia Montenegro – Romance - A artista plástica Laila está perdendo a visão e, nesse processo, conheceu o quase apático funcionário público Pierre. Entre desencontros e problemas, os dois criam um relacionamento estranho e imediato, contado por Tércia com uma linguagem quase fria.
 
Prêmio da Academia Brasileira de Letras

- Musa Praguejadora – a Vida de Gregório de Matos, de Ana Miranda – Dos documentos e relatos sobre Gregório de Matos, a escritora Ana Miranda cria um romance que mostra a tensão entre Igreja Católica e o universo popular na vida do poeta, além de seus amores e seu combate político.
 
Prêmio Sesc de Literatura
- Desterro, de Sheyla Smanioto - Romance - Nas cidades de Vilaboinha e Santa Marta, mulheres vivem, sonham e sofrem a partir de elementos quase prosaicos. Em uma linguagem inventiva, Sheyla escreve sobre a força das pessoas comuns e também sobre as várias violências – fome e agressões – impostas às pessoas abandonadas.
- Antes Que Seque, de Marta Barcellos - Contos – Elogiado pelo escritor e tradutor Caetano W. Galindo, o volume de contos mostra personagens acometidos de uma humanidade verdadeira e, justamente por isso, risível.

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