VERSOS

José Juva traz delírios, ruídos e xamanismo em livro de poemas

Watsu foi uma das obras vencedoras do Prêmio Pernambuco de Literatura

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 30/03/2016 às 5:37
Luanda Andrade/Divulgação
Watsu foi uma das obras vencedoras do Prêmio Pernambuco de Literatura - FOTO: Luanda Andrade/Divulgação
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No primeiro poema do livro Watsu, o poeta pernambucano José Juva questiona: “– Que ilha você levaria/ para uma pessoa deserta?”. Mais do que de inversões como a deste verso, os poemas da obra, uma das vencedoras do Prêmio Pernambuco de Literatura, são feitos de delírios, ruídos e do que é mais primitivos em nós. Ali, tudo pode parecer surreal para quem não entender que, no campo do poema, a racionalidade e a lógica é que podem ser os elementos intrusos.

Segundo livro de poemas de Juva – o primeiro foi Vupa, de 2013 –, o volume reúne versos escritos desde 2010 até a véspera do prazo de inscrições do prêmio, em 2015. “Eu já havia inscrito livros na primeira e na segunda edição do prêmio, mas não eram exatamente Watsu. Digo não exatamente porque havia poemas que estão em Watsu. O que fiz foi enxugar bastante, podar, limar. Filtrei muita coisa”, comenta o autor, que lança a obra quinta (31), no Museu do Estado.

Dividida em duas partes, Molhai os Delírios do Hipocampo e Visões Noturnas da Paz Aquática, a obra é composta a partir do desarranjo dos elementos da vida – todo caos é um rearranjo, de certa forma, quando pensado poeticamente. Juva bebe na água, na natureza, no primitivo, como um Manuel de Barros que junta o afeto com ruído, xamanismo, política e errâncias surreais. “As desorientações, as errâncias, os devaneios e sonhos, o acaso e o caos são seivas importantíssimas para as minhas composições, para a minha vida. Não gosto de escrever sem a contribuição milionária das confusões e encontros. É o lance da escuta e da presença, de estar inteiro em tudo quanto faz e captar e reverberar estas dinâmicas. O desafio e a motivação é buscar um arranjo que, apesar de criar um cosmos, criar uma organização, permaneça aberto, com energia suficiente para instigar movimentos contínuos e outras possibilidades. Talvez ajude não encarar o caos como se fosse um ocaso. E aí o vínculo e a mútua alimentação entre escritura e vida se fortalecem nas encruzilhadas, nos devires, no exercício fecundo de ser atravessado pelas energias múltiplas da existência”, comenta o autor.

A poesia, para ele, é a “melhor máquina do tempo que conheço, nos levando para jornadas ancestrais e revirando as possibilidades do futuro, além de nos firmar no presente, além de nos fazer saltar fora do tempo”. O contato com o primitivo, na escrita de Juva, é parte de um entendimento estético e cultural. “Escrever é uma ação animal depurada pela cultura humana. Acontece que nossa modernidade nos roubou a escritura como dinâmica sagrada. Nós negligenciamos a inteligência selvagem de nossos corpos, a natureza fluida e participativa de nossa percepção”, comenta. “A terra viva, o mundo sensível informa a estrutura profunda da linguagem. Despertar para estes significados pode nos trazer poemas que encorajem a solidariedade entre a comunidade humana e a vasta comunidade mais-do-que-humana. A poesia está no caminho de mais vida”.

Watsu, palavra que denomina uma técnica de shiatsu na água, revela, segundo José Juva, que a água pode ser um signo de uma poética “da cura e relação”. “A potência da poesia como abertura do inominável, da permanência da mudança”, define. Ainda dentro dessa concepção do primitivo, não há espaço apenas para a harmonia: o ruído é elemento fundamental para o autor, que também tem trabalhos que misturam a performance poética com o noise.

“Ainda quero mais barulho na escrita. As performances, neste sentido, são mais ruidosas. O ruído é parte constituinte das dinâmicas da vida: os desencontros, os desvios, as trocas, a impossibilidade de fechar completamente qualquer circuito de significados. Em suma, a imagem de potências que se renovam”, avalia. “Assim, é como o barulho de muitas águas. E a água é a instância da desconstrução, da mobilidade, da mudança, do fluxo. O ruído, acredito, é essa operação da vida viva. E é preciso ser todo ouvidos, literalmente”.

Outro ponto de destaque da obra é a presença da poesia contemporânea brasileira – estão lá, dentre outros, Fabiano Calixto, Angélica Freitas e Leandro Durazzo. “Acho fantástico que os caminhos do acaso tenham trazido para perto de mim um poeta fantástico como o Camillo José, por exemplo. E poder ler e papear com tanta gente que respira o mesmo ar que eu e está sob as mesmas demandas e lutando para inventar outros mapas e afetos dentro mesmo do território de violência e crueldade das corporações e estados do capitalismo contemporâneo”, comenta. Mais do que a ideia de uma geração, ele prefere pensar em alguns elementos em comum, como “um sentido difuso, mas vital de uma alegria resistente: a gargalhada da boca ensanguentada, a ginga e a rebeldia para desviar dos murros e derrubar os muros”. “Só trocaria este tempo de convívio com poetas de agora pelo paleolítico”, celebra.

Em tempos em que se fala de pós-modernidade e pós-arte, Juva procura a pré-arte, a arte que os homens fizeram e fazem antes de formularem conceitos e estruturas estanques. É por isso que Watsu é um livro forte, de uma poesia que assusta e move o leitor. Da anti-declaração de princípios de Existe uma Poética até o lirismo surreal de Ainda Estamos Juntos, os versos de Juva são a ilha deserta e a pessoa perdida: koans feitos de caos e delírio.

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