ENTREVISTA

É a violência e o medo que nos iguala cada vez mais, diz Sidney Rocha

O escritor lança no próximo sábado (3/12), na Semana do Livro de Pernambuco, o seu novo livro de contos, Guerra de Ninguém

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 29/11/2016 às 5:52
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O escritor lança no próximo sábado (3/12), na Semana do Livro de Pernambuco, o seu novo livro de contos, Guerra de Ninguém - FOTO: Anny Stone/Divulgação
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É a violência e o medo que nos igualam, cada vez mais, garante o escritor cearense radicado no Recife Sidney Rocha. Ao falar da guerra no seu novo livro de contos, o autor do premiado O Destino das Metáforas escolheu os “ninguéns”, os que são vítimas não importando quem vença. As 22 narrativas de Guerra de Ninguém (leia crítica aqui) são repletas desses momentos que igualam grandes figuras históricas, o soldado insano e um filho banido.

A obra será lançada no próximo sábado (3/12), às 19h, na programação da Semana do Livro de Pernambuco, que acontece a partir de amanhã no Museu do Estado. Na mesa, Sidney vai conversar com o curador do evento, o crítico Schneider Carpeggiani.

ENTREVISTA

JORNAL DO COMMERCIO - Você costuma dizer que escreve uma obra só nos seus livros. Que capítulo dessa obra é Guerra de Ninguém?
SIDNEY ROCHA -
É o capítulo da consciência exteriorizada ou vivida em cada objeto, um delírio, um conflito. Diria mais: o que há de agônico nas coisas que experimentamos, se para algo serve a experiência. De certa maneira um capítulo trágico, se levarmos em conta que muitas das situações desse livro mostram o paroxismo das ações de alguns personagens e seu fim inevitável.

JC - Sidney, Guerra de Ninguém, como o título sugere, traz contos que são muito sobre a guerra – sobre os ninguéns da guerra – e a morte. Quando percebeu que a violência, os combates vãos ou não, o rompante e permanência da morte, etc, uniam um pouco todas essas narrativas?
SIDNEY -
Há os senhores, os deuses e os ninguéns da guerra nesse livro. E há essa nossa senhora, a morte, em tudo: na guerra como continuação da política, onde nem sempre estão as armas apontadas contra a cabeça — ao que se chama em toda esquina de terror. Na guerra contra o terror que também é a guerra do terror. Tudo se une nas leis trágicas do amor e da guerra, onde vale tudo. No meio disso tudo, existe o amor, violento, que deixa de ser amor pra se transformar em norma, em convenção, no moralismo religioso e suas leis, em tempos em que as leis ou se calam ou esbravejam. E que matam morrendo pela boca. Este é bem o nosso tempo, não vê? Estamos sobre esse campo minado. Somos ninguéns sonhando ser alguéns nas redes sociais, na economia, mas também nos shoppings e na cama. Aqui, as batalhas dos Guararapes mas da também da (avenida) Guararapes, do edifício Montese, dos chineses contra os ricaços das Terres Gêmeas do Recife, da guerra no condomínio onde você mora. Não é o amor — que precisa ser amoral e imoral, como todas as guerras — que nos une, mas a violência e o medo que nos iguala a todos cada vez mais.

JC - Talvez o grande personagem de boa parte dos contos seja a bala – um tiro irrompe em vários deles. É uma repetição sempre renovada. Acredita que é esse um pouco do efeito de um bom conto, uma linguagem que irrompe na banalidade? O tiro súbito ou não é uma boa metáfora das narrativas curtas?
SIDNEY -
Maiakovski falou num poema em que prenuncia o próprio suicídio do ponto final de um balaço. Acho que a bala é o ponto em cada história, como os pontos finais podem ser também balas ou mais do que balas. Para outros, no entanto, mais crédulos, a morte não é o ponto final, é o campo das reticências. Não creio que o conto encene nenhuma banalidade, muito pelo contrário, encena o sublime, no potencial de selvageria que pode ter cada ato humano e suas consequências. Ocorre que a vida não é justa e não creio que nenhuma guerra seja. Mas a guerra é banal e a vida, não. A literatura precisa ser mais vida e, cada vez mais, menos literatura. O ser humano é banal. Mas a experiência humana, não. Isso faz com que essa guerra de todos contra todos alcance alguma estética. Reside certa beleza no banal, assim como a destruição e a guerra têm sua própria linguagem e beleza. É isso que causa o efeito colateral que você pode encontrar nesses contos. Mas a arma e ao mesmo tempo o projétil e o atirador e a vítima serão sempre a linguagem.

JC - Guerra de Ninguém traz - como já fazia Fernanflor – uma ampla gama de figuras e situações históricas. Como é verter o passado em ficção para você?
SIDNEY -
Noutro momento talvez tenhamos tempo de falar melhor desta questão. Este livro não é sobre Alguém. É mais sobre Ninguém. Ou ninguéns. São contos mutilados (a mutilação é um requinte das guerras modernas), contando histórias das gentes nas américas, na África, na Europa, no Ceará, em Pernambuco, no Rio, mas não me interesso pela História nem pela realidade. O que há de passado na morte de Gandhi ou de Lennon, de Frei Caneca, de Conselheiro, de Fernanflor, por exemplo? Muitas coisas ainda não passaram. Estão acontecendo agora mesmo. Logo, não se trata bem de passado, mas de presente continuo, ou continuado. De um passado que não houve, porque inventado ou reinventado pelo contista. A história é só um disfarce para a estória, e a estória uma das muitas máscaras da história. Verter o passado na ficção é principalmente subvertê-lo.

JC - Guerra de Ninguém é um livro pronto que tem sido depurado, modificado e aprimorado por você. Como Fernanflor, a prosa dele parece estar no limite do equilíbrio – uma palavra fora pode desmontar tudo. Como foi depurar e aperfeiçoar a escrita do livro? Como é essa parte da guerra de ninguém?
SIDNEY -
O escritor está o tempo todo em guerra e um livro está pronto quando o escritor está morto. Seu campo de batalha é o labirinto da linguagem, para quem o escritor tem sempre vergonha, porque sabe que está nu diante dela. Ele se debate com isso no romance, no conto, no poema ou quando pede pão na padaria. Escrever termina sendo uma sobreposição e superexposição de capas e máscaras e, ao mesmo tempo, a busca da nudez absoluta, isto é, os ossos e os nervos.

JC - Alguns contos saíram, outros entraram com novos nome. O que foi essa mudança?
SIDNEY -
A mudança faz parte do processo de cada livro. Mesmo depois de entregue ao editor e publicado, se um autor relê, ou determinado tipo de autor, pode ainda rechaçar uma história e substitui-la. Ou acrescentar outras. No processo de retroescrever, muita coisa é lançada fora. Outras terminam caindo de novo no abismo-livro. É natural. Guerra de ninguém foi escrito há uns três anos, e só a generosa intervenção de Samuel León publicando-o ainda neste ano, pode dar fim à minha guerra pessoal contra o texto final. Espero que o texto tenha vencido. O leitor é quem vai dizer.

JC - Seu próximo livro já está sendo escrito? Ele integra a trilogia iniciada com Fernanflor?
SIDNEY -
Dois outros livros estão sendo escritos simultaneamente. Integram a trilogia, sim, radicalizando, seja como narrativa, seja como linguagem em si.

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