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Cartas Brasileiras conta histórias do País com correspondências

Livro organizado pelo escritor mineiro Sérgio Rodrigues compila cartas elaboradas e trocadas entre brasileiros famosos e anônimos

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 10/01/2018 às 16:21
Companhia das Letras/Divulgação
Livro organizado pelo escritor mineiro Sérgio Rodrigues compila cartas elaboradas e trocadas entre brasileiros famosos e anônimos - FOTO: Companhia das Letras/Divulgação
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Corresponder-se com alguém é, muitas vezes, compartilhar seus momentos mais significantes, externar em palavras sentimentos íntimos, questionar-se, ou fazer pedidos importantes; e ler a correspondência alheia é – também – uma tentativa de compreender melhor o outro, hábitos que vêm se perdendo já há alguns anos com o advento da tecnologia. Em tempos de respostas imediatas com seus "visto por último hoje" no WhatsApp ou notificação de chegada de email no celular, mergulhar nas páginas de Cartas Brasileiras (Companhia das Letras, R$ 99,90) é retornar um pouco ao passado das linhas delicadamente escritas a mão e conhecer mais da história do Brasil e de suas personalidades.

Organizado pelo escritor Sérgio Rodrigues, o livro foi um pedido da editora devido ao sucesso do volume Cartas Extraordinárias, que reúne missivas de Dostoiévski, Amelia Earhart, Charles Darwin, Albert Einstein e John F. Kennedy, entre muitos outros. A versão tupiniquim traz 80 cartas de famosos e anônimos, "correspondências históricas, políticas, célebres, hilárias e inesquecíveis que marcaram o país", como enfatiza o subtítulo. É impossível se entediar com a leitura do volume, pois através das linhas que abrangem as mais diversas décadas dos últimos 500 anos - a carta mais antiga é o longo relato de Pedro Vaz de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, enviado ao rei de Portugal D. Manoel em maio de 1500 - facetas surpreendentes de ídolos de muitas gerações são reveladas. Entre as cartas mais recentes é possível citar o famoso texto escrito por Michel Temer à então presidente Dilma, a meses do impeachment, em dezembro de 2015, e a da jovem cantora Mallu Magalhães para a veterana Gal Costa, do mesmo ano.

"Antes de trabalhar no projeto do livro eu não tinha nenhuma relação especial com cartas. Já tinha lido muitas, principalmente de escritores, mas passei a pesquisar mais sobre o assunto com o convite para organizar o volume. A pesquisa durou mais de um ano e era importante para mim que o livro abarcasse várias áreas, não só a literária, e que reunisse pessoas famosas e outras anônimas, de diversas épocas", explica Sérgio. De fato, através das correspondências reunidas pelo autor mineiro, o leitor vai encontrar as anotações de Ana Cristina César enquanto passa o tempo na sala de espera do homeopata; o emocionante relato da força do amor materno de Elis Regina; o debate lírico entre Vinicius de Mores e Chico Buarque sobre a letra de Valsinha; o ingênuo e sincero pedido de ajuda de uma estudante do ensino fundamental ao presidente Juscelino Kubitschek; as provocações amigáveis entre Mário de Andrade e Tarsila do Amaral; votos de Feliz Ano Novo a um programador de rádio da parte de um bilíngue Renato Russo; ou ainda o ousado e sensual bilhete de D. Pedro I à sua amante Domitila (onde ele assina como Fogo Foguinho).

Quase todas as cartas são ilustradas com fotos ou pinturas de seus remetentes, além de fac-símiles das missivas originais e uma breve - porém necessária - contextualização do assunto tratado por Sérgio. "Existem mil formas de fazer um livro que reúne um material extenso e diverso como esse e esta foi uma delas, não existe um percurso único", diz o organizador. "O segredo é justamente ser eclético, fato também que tira o peso acadêmico que muitas coletâneas de cartas têm e que acaba afastando o grande público. Então jogar isso para um contexto digamos mais pop acaba sendo mais leve e um pouco uma história impressionista do Brasil."

PERNAMBUCANOS

Alguns pernambucanos notáveis - que nasceram ou viveram e tiveram sua história ligada ao Estado - estão presentes em Cartas Brasileiras. O justiceiro muitas vezes injusto Virgulino Lampião aparece logo no início do livro, tendo seu bilhete escrito em 1927 para o prefeito de Mossoró reproduzido. Apesar da grande quantidade de erros de português, o recado do Rei do Cangaço era bem compreensível: ou Rodolfo Fernandes pagava o dinheiro pedido por Lampião ou os cangaceiros iriam invadir a cidade. "Eu envito di Entrada ahi porem não vindo esta emportança eu entrarei, ate ahi eu penço qui adeus querer, eu entro e vai aver muito estrago (...)", escreveu.

Dá-se um pulo no tempo de duas décadas e a jovem Clarice Lispector, que nasceu na Ucrânia mas viveu boa parte de sua infância e adolescência no Recife, escreve para o presidente Getúlio Vargas em 1942 pedindo a naturalização brasileira. Ela tinha 21 anos, estava prestes a publicar seu primeiro romance e, ao longo da carta, ressalta suas contribuições jornalísticas para o Brasil e como não poderia eleger "outra pátria senão o Brasil."

E já no final do livro encontra-se a carta que Paulo Freire escreveu à sua prima Nathercia Lacerda, quando ele estava exilado no Chile. O ano era 1967 e ela tinha apenas nove anos, mas já recebia as lindas palavras do educador, como quando ele diz que "se os homens não deixassem morrer dentro deles o menino que eles foram se compreenderiam melhor."

Além dos pernambucanos que foram autores de correspondências, Sérgio Rodrigues também incluiu remetentes locais. Dentre eles João Cabral de Melo Neto (que recebeu de Carlos Drummond de Andrade um gentil pedido de desculpas por este ter ficado muito tempo sem dar notícias), Joaquim Nabuco (ombro amigo de Machado de Assis quando o autor de Dom Casmurro lamenta a morte de sua esposa) e o pernambucano de coração Ariano Suassuna. Este último já havia falecido quando, em 2014 o ator Matheus Nachtergaele oferece um belo depoimento sobre como o personagem João Grilo foi fundamental para ele. "Fui com vocês para a morada dos corações de toda gente daqui desse país bonito duro."

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