Forró

O dia em que o forró foi indicado ao Grammy

Disco Brazil: forró concorreu à categoria Traditional folk

AD Luna
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AD Luna
Publicado em 10/06/2012 às 6:02
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Do músico e produtor pernambucano Zé da Flauta, por telefone, para o sanfoneiro caruaruense Heleno dos Oito Baixos:
– “Ô, Heleno, tudo bem? Rapaz, fosse indicado ao Grammy!”.
– “Mas seu Zé, eu não jogo mais bola, não!”.
Rindo, Zé insiste:
– “Se liga, Heleno. Agora tu és um cara internacional!”.
– “Ô, seu Zé! Mas, finalmente, é Grêmio ou Internacional?”.

O inusitado diálogo aconteceu em 1991 e faz parte de uma série de episódios que envolveram a indicação do disco Brazil: forró – music for maids and taxi drivers ao mais conhecido prêmio da indúsitra da música, naquele mesmo ano.

A façanha ganha ainda mais mérito por ter acontecido numa época em que não existia a versão latina do Grammy, criada em 2000 pela Academia Latina de Artes e Ciências Discográficas (ALACD) dos Estados Unidos, com o intuito de premiar especificamente os artistas de língua espanhola, e parte dos músicos brasileiros.

Além de Heleno, tocam no disco Duda da Passira, José Orlando e Toinho de Alagoas, que mostram seu talento em 17 faixas com xotes, xaxados, baiões e até frevo. Hoje, 21 anos depois, o feito ainda repercute na memória e na carreira dos envolvidos. Porém, paradoxalmente, é mais fácil comprar o disco em lojas virtuais estrangeiras do que em território nacional, onde ele se encontra fora de catálogo.

De acordo com Zé da Flauta, a história do Brazil: forró – music for maids and taxi drivers começou em 1981, quando ele conheceu, no Recife, Duda da Passira e Toinho de Alagoas. Os músicos participavam da gravação de um dos discos da série Caravana de Ivan Bulhões, radialista, compositor e um dos grandes divulgadores do forró autêntico no Estado.   

Logo depois das gravações, Zé da Flauta se mudou para a cidade do Rio de Janeiro. Lá, apresentou as duas fitas para Carlos de Andrade, Carlão, dono da gravadora Vison Digital e do Master Studios, cujos escritórios se localizavam no bairro de Laranjeiras.  

Apesar do selo ser especializado em música instrumental brasileira, Carlão resolveu investir no forró e pediu para que Zé lhe apresentasse mais artistas do gênero. Assim, ele voltou ao Recife para gravar mais duas fitas com Heleno dos Oito Baixos e José Orlando.

Com as quatro fitas em mãos, Carlão decidiu inicialmente pôr no mercado discos dos cantores José Orlando (Este é José Orlando) e Toinho de Alagoas (O homem do caráter duro). Mas, eles foram um fracasso de vendas. “Os dois gravaram só músicas próprias, o que na época não era bom negócio no mercado nacional. Resultado: nem na Feira de São Cristovão, que reúne milhares de pessoas em torno de shows, artefatos e comida nordestina, no Rio de Janeiro, consegui vender os discos”, recorda Zé da Flauta, sob gargalhadas.

Do disco de Toinho de Alagoas, Alceu Valença lançaria, em 1983, uma energética versão ao vivo de Balanço da canoa, no histórico álbum Brazil Night – Ao vivo em Montreux, pela extinta gravadora Ariola.

Em 1988, o nova-iorquino Gerald Seligman (ex-diretor geral da Womex, a mais importante feira de música do mundo) foi ao Rio e procurou Carlão a fim de encontrar materiais disponíveis de artistas brasileiros para licenciamento no exterior. Dentre as gravações apresentadas, Seligman se interessou, justamente, pelos até então fracassados álbuns de Toinho de Alagoas e José Orlando.

Seligman perguntou a Carlão que tipo de música era aquele e, sem muito entusiasmo e demonstrando certa incredulidade, o produtor respondeu que era forró: música apreciada por empregadas domésticas e motoristas de táxi.

A resposta acendeu ainda mais o interesse de Gerald pelo estilo e o inspirou a nomear o disco, cujo título traduzido do inglês para o português poderia ser: Brasil: forró – música para empregadas domésticas e motoristas de táxi. "Assim que ouvi aqueles LPs, fui tocado pela honestidade, clareza, e integridade pelos quais Zé da Flauta os tinha produzido. Tanta música por aí é malandramente super produzida. As que ouvi eram reais, pé no chão", conta Geraldo Seligman.

Na época, a notícia mereceu destaque na imprensa local, nacional e internacional. Veículos estrangeiros como a revista Roots World e o jornal New York Times fizeram resenhas elogiosas a respeito do Brazil: forró. Zé da Flauta chegou a ser entrevistado no programa de Jô Soares na TV. Apesar da repercussão, ninguém conseguiu patrocínio para bancar as passagens dos forrozeiros para a cerimônia de premiação.

Bancando as próprias despesas, Zé da Flauta conseguiu participar do evento, que aconteceu em 20 de fevereiro de 1991, no Radio City Music Hall, em Nova Iorque. Brazil: forró concorreu ao Grammy na categoria Traditional folk, mas não ganhou. O prêmio ficou com o cantor americano de country Doc Watson, que morreu semana passada.

FORROZEIROS SEGUIRAM SEUS PRÓPRIOS CAMINHOS

“Foi um momento muito gostoso da minha carreira!”. Assim o sanfoneiro Duda da Passira, 62 anos, resume o que sentiu em relação à indicação do Brazil: forró ao Grammy. Mesmo antes do prêmio, ele já tinha certa projeção, tendo feito apresentações com Luiz Gonzaga durante a turnê do disco Danado de bom (1984). Natural de Passira, no Agreste pernambucano e morando atualmente em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata Norte, Duda produziu e gravou em mais de dois mil discos, tendo trabalhado com Quinteto Violado, Novinho da Paraíba, Jorge de Altinho, Limão com Mel, Targino Gondim, entre outros.

Nascido em Caruaru, mas criado em Boqueirão de Ibirajuba, no Agreste, há 52 anos, Heleno dos Oito Baixos se considera um vitorioso. Há uma década se mudou para São Paulo. Depois da exposição proporcionada pelo Brazil: forró, Heleno vive fazendo shows na Europa, principalmente na França. Uma vez por mês, ele vem dar aulas às crianças e jovens da Escola de Sanfona de Oito Baixos, em Caruaru. De acordo com Heleno, há mais de 15 anos ninguém mais ouviu falar do colega José Orlando, que simplesmente sumiu de Caruaru e dos circuitos de shows e eventos.

Cerca de três anos antes de ter seu nome exposto ao mundo no disco indicado ao Grammy, o cantor e compositor Toinho de Alagoas, 58 anos, já havia se tornado evangélico e abandonado o forró, pelo menos o forró mundano. Apesar da forte resistência dos “irmãos” em Cristo, concordou em gravar um videoclipe para a música Balanço da canoa. “Antes de firmar compromisso com Jesus, eu já tinha um com Zé da Flauta”, defendeu-se à época. Até cachê recebeu da Prefeitura de Caruaru – cidade onde até hoje ele mora – como incentivo a participação no vídeo, que foi dirigido por Lírio Ferreira. Ele gravou quatro álbuns evangélicos e, atualmente, ainda se recupera de um derrame que quase o levou embora há quatro anos.

Leia a reportagem completa no Caderno C deste domingo

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