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A viagem psicodélica de Satwa faz 40 anos

Lailson e Lula Côrtes terminaram de gravar o primeiro disco psicodélico independente do país um dia 31 de janeiro

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 31/01/2013 às 7:54
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Há exatos 40 anos, nos estúdios da Rozenblit, os músicos Lailson e Lula Côrtes (1959-2011) finalizavam Satwa, o primeiro disco de rock psicodélico independente gravado no Brasil.

 

O independente, no caso de Satwa, vai de ser realmente um trabalho de artistas sem vínculo com uma gravadora, até a estética deste trabalho, totalmente na contramão do que se lançava até então no mercado nacional: “Não tentamos a Rozemblit antes. Viajamos na ideia do disco e Lula e Kátia falaram com seu Zé Rozemblit, pra saber o custo de estúdio, prensagem e impressão de capa. Nunca encontrei seu Zé Rozemblit. Pra ele, acho que éramos só uns meninos malucos que haviam alugado a fábrica. Kátia conhecia mais ele, pois são da comunidade judaica e o pai de Kátia era muito conceituado”, conta Lailson.

 

Tanto ele quanto Lula Côrtes foram apresentados a um estúdio de gravação no dia 20 de janeiro de 1973, quando começaram a aventura de Satwa. Uma aventura mesmo, porque todos nela envolvidos eram marinheiros de primeira viagem:  “Condições muito básicas. Se fizéssemos o overdub muito distante da mesa, dava delay. Sério. Mas era bem espaçosos e era muito legal. Era a primeira vez que eu entrava em um estúdio de verdade, só conhecia estúdio de televisão. Eu falei pra Lula, na época, que a gente estava fazendo História, porque era bem claro que uma maluquice daquelas era algo fora do comum e todo mundo que tinha ouvido a gente tocar lá na casa dele ou escutado as fitas que ele tinha gravado quando a gente tocava lá, ficava desbundado. Então, o termo folk psicodélico ainda não havia sido criado, era só música, um terceiro som resultante do encontro das escalas ocidentais e orientais como teorizávamos nos papos cabeça que rolavam continuamente”, continua Lailson.

 

Quatro décadas depois, Satwa ainda continua sendo um projeto avançado até mesmo para os tempos atuais. Criado ad lib., ou seja, na hora, sem melodias assoviáveis, diminutas probabilidades de tocar no rádio, e com um título que não facilitava. Satwa, no máximo, poderia ser entendido como referência a sativa, de cannabis, a erva: “Coincidência sonora, claro! Só porque tem uma música fazendo a transcendente questão "Can i be Satwa?" surgem essas especulações... Nunca que tal associação de ideias passaria pela cabeça de dois artistas completamente normais como Lailson & Lula Côrtes em 1973” ironiza Lailson. Uma das definições de Satwa, encontrada no google: Satwa (do sânscrito), Deusa. O mesmo que sattva, ou pureza. Uma das trigunas, ou três divisões da natureza”.

 

Naturalmente, Satwa é um reflexo do seu tempo. Em 1973, para se usar um termo da época, o “desbunde” chegava ao auge (na ditadura, ou se era engajado, ou desbundado. Hippies, por exemplo, eram desbundados). Filosofias orientais, alucinógenos e “viagens” musicais eram uma das caraterísticas dos desbundados. Satwa foi a trilha sonora do desbunde. Um disco totalmente na contramão da MPB ativista de então

 

"Acrescentaria o fato de que o texto do disco (títulos das músicas e o resto da ficha técnica) são as letras do disco. Explicando melhor: como não usaríamos letras, os títulos tinham que deixar clara a proposta psicodélica (ou hippie, ou underground, ou de contracultura) da obra. Daí que elas contam a história daqueles tempos como a Valsa dos cogumelos ou o Allegro Piradíssimo (que eu traduzi na versão americana para Allegro Freakoutissimo para passar a mesma ideia)", ratifica Lailson.

 

"Outras músicas, como Lia Rainha da Noite e Amigo, surgiam das conversas entre eu e Lula. Quando a gente fez Amigo, ele achava que a música era como se dois amigos estivessem se encontrando no meio da rua, um vindo de um lado, o outro do outro e começava o papo. E era isso mesmo. Cada vez que a gente tocava, era a mesma música, mas a conversa era diferente”.

 

Das dez faixas do álbum, só uma não tem apenas Lula Côrtes e Lailson. O blues do cachorro muito louco (grafado “blue” nos créditos do disco), com a participação de Robertinho do Recife, uma celebridade local, primeiro guitar hero do Recife: “O Blues do cachorro muito louco era blues no sentimento, nos uivos, Mad Dog mesmo, mas um Dog muito Crazy, não exatamente um blues no estilo. Mas com a guitarra de Robertinho ganhou muito, ficando bem o contraponto do lirismo do resto do disco”, finaliza Lailson.

 

Leia mais na edição impressa do Caderno C do Jornal do Commercio desta quinta-feira (31/1)

 

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