Lançamento

Ava em transe

Em seu segundo disco, Ava Rocha confirma o talento neotropicalista e o projeto civilizatório do pai, Glauber

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 13/05/2015 às 16:56
Camila Marquez / Divulgação
Em seu segundo disco, Ava Rocha confirma o talento neotropicalista e o projeto civilizatório do pai, Glauber - FOTO: Camila Marquez / Divulgação
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No nome escolhido pelo pai, o incontornável Glauber, ela carrega praticamente um projeto civilizatório: Ava Patrya Yndia Yracema. E é justamente com seu nome de batismo que a filha do homem que radicalizou uma das curvas mais importantes do cinema ocidental vem fazendo barulhos suaves, atiçando ouvidos e corações, para, enfim, ser recebida como uma das vozes mais politicamente poéticas da novíssima geração de cantoras do Brasil. Em seu segundo disco, disponível para download gratuito, Ava sussurra em decibéis de uma poética afiada.


“Ava Rocha sopra água e fogo em seu novo disco”, sintetizou Marcelo Monteiro, editor do site de Cultura de O Globo, depois da audição de Ava Patrya Yndia Iracema. “A cantora desenha um disco que dialoga com precisão com os fundamentos de seu tempo”, cortejou-lhe, também, o crítico carioca Leonardo Lichote.


Se gente como Maria Rita precisou pular o cerco da uma curiosidade mundana sobre a ascendência familiar (“É a filha da Elis cantando!”), com Ava não foi diferente. Mas agora, para a audiência, ela deixa de ser apenas “a-filha-do-Glauber-que-canta” e encampa com musculatura autônoma o alcance de sua poética. A voz doce e espessa atravessa as 12 faixas do disco em que ela não desaponta a expectativa paterna.


No álbum, a cantora materializa, a seu modo, projeto civilizatório glauberiano. “O disco fala de mim e fala de um território maior. Ava Patrya Yndia Yracema. É poético-didático. Um roteiro. Me identifico com ele no seu aspecto singular e também universal. É como se o nome fizesse essa transição entre eu e o mundo”, diz, demarcando territórios. “Sou brasileira e também colombiana, de origem judia e eslava pelo meu lado materno. Baiana de origem tapuia, negra e portuguesa. Yracema é um anagrama de Ameryka. Fala da Yndia, tem pachamama, tem borogodó, enfim, não tinha nome melhor e mais verdadeiro que esse”, diz a filha da colombiana e também cineasta Paula Gaitán.


No disco harmonicamente caótico, nada é muito rotulável. De marcações indígenas a barulhos dispersos, de cordas graves e longas como sua voz a experimentalismos como os de um John Cage, Ava lembra muito a iconoclastia reverente do tropicalismo de Macalé ou do Caetano de Araçá azul. Carrega também a sensualidade úmida da Gal banhada em Wally Salomão (e Macalé) de A todo vapor.


Apesar da aura neo-tropicalista, ela não se move por regras de filiação. “Não sei, eu acho que eu canto de muitas formas, natural ou intencionalmente”, diz ela, herdeira e parceira confessa, no entanto, de Macalé. “Ele me inspira a cantar. Sua música. Ele é uma referência muito forte, tenho profunda admiração por ele”, diz. “Ele é amigo de meus pais, mas nos últimos anos, por conta da música, nos aproximamos. Macalé é familia. Um artista da magnitude dele e extremamente generoso e simples. Tenho a sorte de também ser admirada por ele e ter nele um amigo e incentivador.”


Ser filha de quem é, aliás, nunca foi entrave para Ava. “Não problematizo isso. As pessoas se incomodam mais do que eu. É minha condição, é meu pai, um homem importante, e que me honra pela sua grandeza humana, não por ser famoso. É natural que as pessoas perguntem, assim como você está perguntando. Não me sinto mal, nem lamento. Ao contrário, só tenho a agradecer”, diz Ava, no Rio, onde mora com a filha Uma, o marido e parceiro artístico Negro Léo. A faixa Uma, aliás, traz os vocais da filhota.


Compositora de seis das 12 faixas, Ava é autora de letras imagéticas, sobre políticas do corpo e uma brasilidade densa, caudalosa, menos óbvia, ecos da imagética do próprio pai. “O cinema da minha mãe me influencia muito também. É um amálgama de influências... Meus pais são duas influências muito fortes pra mim.”


Com produção de Jonas Sá, o disco traz uma certa elite da música carioca contemporânea como colaboradores: Domenico Lancelotti, Pedro Sá, Marcelo Callado, Gustavo Benjão, além do marido. “O Negro Léo é a síntese antropofágica de muita coisa e é portanto um artista novo, que reflete anseios novos. É um artista urgente e importante pro Brasil”, diz, sobre o parceiro de casa e estúdio. “Do ponto de vista estético e político, entendemos que essas coisas caminham juntas e que política nem estética não são terrenos pré-formatados. É legal até porque nossos trabalhos são separados, mas colaboramos um com o outro, fazemos parcerias”.


Ava se assumiu cantora, aliás, com outro de seus pais, um pai mais recente. Quando atuava na série de espetáculos Os sertões, do Teatro Oficina, Zé Celso Martinez Correia lhe pediu e também exigiu que cantasse. “Com Zé, tive coragem e a conexão do todo, digamos assim, que o teatro conectou em mim. Antes, eu cantava nos filmes. O teatro me fez usar o corpo e pensar o cinema na cena. Então, essa descoberta do corpo em cena, cantando, transformou minha percepção”, diz ela, dona de uma dramaticidade trágica em cena.
Cineasta e atriz, Ava, aliás, atuou, cantando, ao longo da trama, no musical Jardim Atlântico, o filme de Jura Capela repleto de grandes momentos da nova música brasileira, como a cena em que Céu sensualiza para além dos hormônios a Aquarela brasileira de Ary Barroso.


Com muitos amigos aqui, Ava anda doida para trazer o show ao Recife. “Já fui até a Berlim com o disco, mas ainda não conseguimos o Recife”, diz. “Amo muito Pernambuco, e tenho uma relação antiga com a galera daí. Grandes amigos cineastas, como o Leo Sette e o próprio Jura e o pessoal da Telefone Colorido. Acho tudo em Pernambuco altamente instigante. Os filmes, as músicas e as pessoas.... Pernambuco é Pernambuco!", diz essa moça que tem no canto o substrato da vida. “Cantar é expressão mais plena, meu cinema, minha poesia, minha meditação, minha conexão. Difícil explicar algo tão complexo de forma simples e direta.”

https://bit.ly/ava_patrya_yndia_yracema

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