Show

Filipe Catto põe o dedo na tomada

Disposto a borrar fronteiras de gênero, Filipe Catto apresenta "Tomada", seu segundo disco, em show no Abril pro Rock

Bruno Albertim
Cadastrado por
Bruno Albertim
Publicado em 19/04/2016 às 15:41
Divulgação
Disposto a borrar fronteiras de gênero, Filipe Catto apresenta "Tomada", seu segundo disco, em show no Abril pro Rock - FOTO: Divulgação
Leitura:


    Dono de um condomínio na garganta em cuja voz parecem morar, sem conflitos, o metal cortante de Elis, a ambiguidade de Bowie e Ney e a passionalidade de Maysa ou Janis, Filipe Catto migrou ainda no primeiro álbum (Fôlego, de 2011), da condição de revelação para a de confirmação da nova música popular brasileira. Se, como seus pares de geração avessos a etiquetas, Catto costurava uma musicalidade mais aguda ao brega outrora proscrito, limpando antigas canções do rótulo da cafonice, agora, o gaúcho de 27 anos chega ao segundo álbum nadando em águas assumidamente mais pops.


    "Eu sou na verdade muito fiel ao que quero dizer no momento, nunca tive a preocupação de fazer a diluição das fronteiras da música, nunca tive isso como um paradigma, isso é natural. O repertório é o que a gente vai dizer para as pessoas, existe um lugar romântico, de existir uma coisa idealizada. O mais legal de ser artista é se poder brincar com o subjetivo. Quando eu estou em cima do palco, eu sei porque estou cantando aquelas músicas”, diz o contratenor de timbre alto e dono de uma androginia que fazia falta à música nesses tempos em que questões de gênero estão de novo entrelaçadas com notas musicais.

    “Mas estou muito feliz mesmo de agora estar nesse momento do rock, do pop, trazendo isso de uma forma mais solar”, diz Catto, por telefone, antecipando o show que fará na noite pop do Abril pro Rock, programado para o último final de semana deste mês, no Baile Perfumado. “Vai ser muito bom voltar aí ao Recife com a banda inteira, num festival dessa abrangência, que formou bandas e plateias inteiras, assumindo o pop”.

   "Tomada" (Natura Musical, 2015), o segundo disco que ele traz como motivo à cidade, começou a ganhar forma quando, há dois anos, Catto fazia ainda um show em homenagem à Cassia Eller. Tanto musical, como poeticamente: “Foi fundamental em diversas camadas. Quando eu fiz o show "Cassia", e cantei "Rubens", eu nunca tinha visto um homem, gay, cantando aquilo, no auge do Feliciano, da homofobia institucionalizada, e veio esse projeto da Cassia que era muito transgressor naturalmente, ao evidenciar uma mulher extremamente corajosa na sua sexualidade assumidamente gay e tendo um filho. Como é que essa mulher, toda masculina, estava grávida, ali nos anos 1990? Ela quebrava a questão de gênero. No show, eu percebi que estava cantando o pop nacional de ótima qualidade. E eu quis cantar o pop nacional sem qualquer ranço. Quando vi, já tinha me transformado nessa pessoa”.

"O novo disco, portanto, embora transite poeticamente sobre paixões fulgazes como a felicidade das madrugadas, é um álbum de afirmações. Composta por Caetano para o álbum "Cê" com inspiração em "Ilusão à Toa", de Johnny Alf (1961), entre as faixas está "Amor Mais Que Discreto", francamente uma canção de amor entre homens. “Caetano falou disso, mas com uma singeleza, uma paixão, que fala de um amor como qualquer outro. É uma grande canção. Acho importante falar sobre dois homens. É uma canção de amor gay, e é importante que as pessoas saibam, porque eu sou um artista gay, que precisa contar minha história. Eu tenho essa questão, mas com uma naturalidade tremenda. Nunca quis colocar nenhuma bandeira na frente dos outros. Fico muito feliz que os artistas se expressem de uma forma corajosa. A gente passou muito tempo com uma bola na garganta e estava na hora de a gente se expressar, e a maneira é com amor, transformação, de mostrar o quão bacana é ser o que você é”.

Discutir, ou diluir conceitos arraigadamente construídos sobre gêneros, é para o gaúcho de perfume andrógino tão natural como um copo d’água no camarim. “Todas essas questões são muito latentes no presente. Eu vejo muito essa liberdade como os jovens se comportarem de uma forma ‘gender free’. Não é que o mundo esteja mudando, o mundo mudou. O conservadorismo é uma resposta a isso que está se tornando tão natural. Na política, há uma esfera da sociedade que não está conseguindo aceitar que o mundo já mudou, já é diferente, e esse conservadorismo atual quer fazer retroceder. As pessoas estão desesperadas porque elas não vão conseguir barrar essa revolução. Faz cinco anos que o Brasil pegou um celular na mão com internet, então, é muito grande tudo o que está acontecendo. "Tomada" tem essa pegada, a gente estava com medo de andar na rua, naquele momento, a violência e a homofobia estavam muito grandes”.


Disco que tem cheiro de amor, mesmo que naufragado, com sexo, mesmo que inconstante, "Tomada" tem na faixa "Partiu", o tom cool e roqueiro de Marina Lima (autora e que toca violão na faixa). Musicado pela carioca Thalma de Freitas, o poema "Auriflama", do angolano José Eduardo Agualusa, traz versos como “A morte é esquina onde o amor termina”. Do pernambucano Zé Manoel, gravou a romanticamente delicada "Canção e Silêncio". “De pernambucanos, eu já gravei Reginaldo Rossi... Eu cantava Karina Burh nos shows. Minha relação com a música pernambucana é de muita personalidade. Tem o Junio Barreto, por exemplo, que é um grande poeta, com um texto fora do comum. O Juliano Hollanda, que é grande...Ylana Queiroga, Ayrton. Eu fico feliz de ver o tamanho dessa música de Pernambuco. O trabalho de Zé Manoel permeia todos os tempos. Pode ser cantado daqui a cem anos, porque ele tem uma música atemporal”.


Em como "Não Passa de Uma Armadilha", a voz está metálica como a de Elis das notas inalcançáveis. Ele reconhece a mudança: “Tudo que eu gravei em 2010 já é de outra pessoa. Eu percebo o amadurecimento, já estou cantando de uma outra forma e acho que, sim, tem mais metal na voz. Acho interessante ver como a voz vai acompanhando nossa trajetória. Acho que agora sou um cantor mais reto, mais visceral”, diz ele, informando que a transparência era um conceito perseguido por ele e pelos produtores Kassim e Ricky Scaff. “Procuramos trazer o máximo de interpretação pro estúdio. De fazer tudo na hora. Por isso a foto da capa é limpa, sem maquiagem, sem máscaras”.

Últimas notícias